O professor Melo Santos
Aproximando-se o dia do professor, rendo aqui minhas homenagens ao professor Melo Santos. Quando o conheci – e já faz mais de trinta anos – ele não era Melo Santos. Conheci-o como professor Ricardo, depois é que o soube Antonio Ricardo. Naquele tempo, eu, todas as manhãs, subia, quase sempre com algum atraso, as escadarias do Instituto Estadual de Educação de Juiz de Fora. Era o tempo de Vanda Panisset na secretaria e de dona Helena na recepção. Era o tempo em que eu, nos corredores, quando tinha janelas no horário, escutava a magistral Geografia de Newton Chisnandes ou o inglês bonito de Napoleão Nocera e de Nahim Miana...Era o tempo de Maria do Carmo Halfeld, Antônio Detoni, Maria Célia, Sanábio, Maria Lúcia Brandão,Yolanda Ormundo, Edson Soró, tanta gente que escreveu história bonita. Era o tempo em que o João da cantina, o querido seu João, nos chamava a nós, jovens professores, de senhor, e nos recebia cedinho com o caloroso aperto de mão e o sorriso de pai que reverencia e admira o filho.
Naquele tempo, Antonio Ricardo chegava bem cedo, só superado pelo Chisnandes, e não era raro ir para sala e já esperar os alunos com o quadro cheio, cheio de teorias que embasavam os cálculos, sempre precedidas de um pensamento para reflexão. Aquele jovem professor, muito claro, de média estatura, impressionava-me pela dedicação. Nas manhãs de inverno rigoroso, lá chegava o homem sem blusa, braços à mostra, e, se implicávamos, ele replicava que os cálculos aumentavam a temperatura... E lá ia ganhar a vida com o giz e escrever sua contribuição aos quadros de nosso ensino.
Nascido em Bom Sucesso, em Minas Gerais, Antonio Ricardo dos Santos se formou em Matemática na UFJF, e grande parte de sua vitoriosa carreira de professor, ele a construiu em Juiz de Fora, na Academia de Comércio, no Instituto de Educação e no Colégio Técnico Universitário, tendo deixado por onde passou a marca da solicitude. Sim, creiam, a marca da solicitude! Poucas vezes, nesses anos em que labuto, vi pessoa tão disponível a ajudar os colegas e a dedicar horas extras à atenção dos alunos. Se algum amigo precisava fazer um concurso público, ele se oferecia para ajudar e dedicava horas e horas a repassar o que aprendera.
Não raras vezes o víamos, no Instituto de Educação, entregando a dona Teresinha – que com esmero cuidava do mimeógrafo – o estêncil para a reprodução dos exercícios extras. Certa feita, cansou-se de cansar a Teresinha fora de horário e comprou o próprio mimeógrafo, no qual ele mesmo reproduzia os exercícios. Esse ritual se repetia a cada bimestre. Era sua forma de contribuir com a educação.
Lembra-me que, ainda em Juiz de Fora, paraninfo de turmas de normalistas, escreveu longo discurso, que submeteu, para minha particular honra, à prévia crítica deste que tem vivido de pensar sobre as palavras. Honrado com a distinção, semeei uma ou outra vírgula, encurtei alguns períodos, para facilitar a leitura, e respeitei a íntegra do texto longo, que era sua profissão de fé em uma educação solidária, a cuja prática ele jamais se esquivou.
Transferido de Juiz de Fora para o Cefet-MG, levou sua prestimosidade para as terras de Belo Horizonte – que ele amou talvez até mais que ao torrão natal – e o resultado foram as muitas homenagens, quer dos alunos, quer dos colegas professores... Não poucas vezes, Antonio me confidenciara por telefone que sua semana letiva se encerrara no sábado, com as aulas de reforço espontaneamente marcadas. Certamente atitudes como essa contribuíram para que, no ano de 2000, os colegas do Cefet-MG o indicassem ao Diploma do Mérito “Destaque em Educação”, homenagem recebida no Instituto de Educação de Minas Gerais em evento promovido pela UEMG e pela Associação de Professores Públicos de Minas Gerais.
Um dia, pouco antes de deixar Juiz de Fora, Antonio me procurara e me disse ter mudado de nome... Ponderei-lhe, no clima da conversação amena, que nós, modestos professores, não precisávamos de tanto luxo... A questão, obviamente, era outra. Descobrira um homônimo e aquela situação talvez não o tenha incomodado tanto quanto a vontade de homenagear ostensivamente a mãe, dona Maria, a quem venerava. Assim, o bom-sucessense de alma belo-horizontina, virou, após longo processo na justiça, Antonio Ricardo de Melo Santos, com o Melo de Maria de Lourdes Melo, que o acompanharia também no nome, a maior marca que deixamos nesta vida. Passamos aqui em Juiz de Fora a nos referir a ele como o Melo Santos, lá de Belo Horizonte, e, pelo que soubemos, o homem gostou... Afinal, ali estava a Maria, também em nossas vozes e amistosas brincadeiras cotidianas. Ao telefone, eu particularmente, fazia sempre a reverência: como vai, Melo Santos? Sebastião Maurício, irmão de sangue e de vocação matemática, também passou a tratá-lo em nossas conversações pelo novo sobrenome, que realmente pegou.
No último 13 de setembro, completado um ano sem a sua presença, dona Consolação, lá em Belo Horizonte, certamente terá ido ao Colina e pranteado o marido, e orado, e se lembrado de que uma de suas últimas saídas de casa, já muito debilitado, foi para tratar de interesses de um amigo...