A Imaculada Conceição do Pará
Uma ida à Conceição do Pará era o sonho de toda a garotada. Verdade é que se tinha
que estar pronto para enfrentar o calorão desgraçado, ou na sua ausência, chuva, com
aquele barro pra todo lado, mas ao fim saía-se compensado, mesmo que o rosário de
problemas tivesse apenas começado.
Naqueles anos cinqüenta, sessenta, o trem era a condução, até ir dando lugar aos
ônibus, carro e caminhão. Mas que delícia - e risco - era a perspectiva de se tomar o
carro aberto, e ir margeando o rio Pará, ele abarrotado das águas de verão,
transbordando e dando força e viço à vegetação. Mais à beira da linha, era erva
cidreira quase a viagem inteira, e até hoje aquele passado bem cheira.
O local da festa, onde se reuniam os romeiros era uma decepção: uma praça coberta
de grama com umas poucas árvores, e menos casas ainda, tendo ao fundo uma
igrejinha que de capela passava só uma beiradinha. E ao seu interior chegar, só na
sorte, ou na pirraça. Ainda que cheia de graça. Mas era aquele sacro pedaço o sonho e
a obrigação de todo peregrino, homem, mulher e menino. Senão, não tinha valença -
e muito menos a "bença".
Mas é que havia gente demais para um dia só, aquele 8 de dezembro dedicado à
Imaculada Conceição. E costumava haver missa campal, já que a igrejinha não
comportava reunida aquela fé demais exibida.
As poucas casas espalhadas pela praça, ou as extensões de suas cobertas,
transformavam-se em casas de pasto, servindo uma refeição simples, que mal dava
pro gasto. E o preço era de ocasião, pois ela é que faz tanto o bom como o mau
ladrão. E ainda nem se via a cor do feijão.
E na poeira ou em meio ao barro espalhavam-se as tendinhas de camelôs e essa é que
era a meca da gurizada, vendendo em geral coisas simples, mas como eram
valorizadas: das balas coloridas cabo-de-guarda, duras feito pedra, aos apitos de
barro, esses já um pouco mais macios.
Invariavelmente, o maior sacrifício era beber água, pois não tinha por lá a Caxambu e
muito menos a Evian: ou se levava de casa ou se fazia aquela fila comprida para tomá-
la na bica. O pior momento não era quando se falava que correra em pastos e que
dela muito boi tinha lambido, ou pior ainda acontecido. Não, o pior é quando ela
chegava a boca e se recusava a descer goela abaixo, de tão morna e "saloba". Mas
cumpria fazer aquele sacrifício depois de tanto doce e tanto suor sob aquele sol de
rachar taquara.
Duma feita, fomos em família, tendo tomado todas as precauções. Ou quase todas
elas. Levamos sanduíches numa lata, água no cantil e até a adaga de papai para
desestimular algum imprevisto que o manto da Santa Padroeira não cobrisse. Mas o
que faltou, ou melhor o que sobrou foi termos a companhia do fazendeiro e vizinho
Chico Moreira que não só acreditou na idéia da multiplicação dos pães, assim como,
como convidado de última hora, escolheu o mais graúdo deles. Dando é que se recebe.