Dia das crianças ou dia do capital?
É impressionante a quantidade de pessoas nas ruas e lojas indo pra lá e pra cá, num incontrolável frenesi, movidos pelo desejo e/ou necessidade de comprar e presentear seus filhos, netos, sobrinhos, afilhados, enteados ou agregados. Dia das crianças! Filas imensas para comprar, pagar, retirar, presentear. Ansiosos, os pequenos são arrastados pelo braço em meio à multidão, alguns choram pelo cansaço, outros sorriem enquanto aguardam o desejado presente. Para quem observa de longe mais parece uma batalha insana. Mas não se assustem, é dia de atender o capitalismo. Não importa se durante os noventa e nove por cento do ano esta criança não teve sequer tempo para brincar, o que importa é o presente no dia das crianças.
Fiel ao nosso belo e irresistível capital, eu também fui às compras. Precisava comprar um brinquedo para minha netinha. Iniciei a via sacra por um dos inúmeros shoppings da cidade, sem sucesso; os brinquedos aos olhos da cara, apelei para o mercado popular. Para minha sorte tinha nos pés um par de sapatos confortáveis, caso contrário... Contudo, não consegui evitar a dor de cabeça causada pelo excesso de barulho e aglomeração de pessoas. Em meio a tanta confusão vejo um casal olhando uma “motoca” cor de rosa Pink, aquela bem chamativa, grande, toda equipada, cheia de luzes pra todo lado. O homem admirado com tanta beleza comentou com a esposa: “ essa sim é dá hora”! A mulher, meio que fingindo que nem tinha observado, olhou para o brinquedo: “ bunita mermo”! Aproximando mais um pouco, observa a etiqueta e diz: “ oia bem, até que não é cara”! O homem se anima e confere: “ duzento e noventa e nove conto, será se eles divide?” Fiquei a observar aquela conversa. O casal estava tentado pagar o valor pelo reluzente brinquedo, não me surpreenderia o fechamento do negócio se aquele casal não fosse conhecido aos meus olhos. Eu sabia exatamente quem seria a dona daquele presente e sabia também do enorme sacrifício daquele casal para aquisição do bem desejado. Tratava-se dos pais de uma das inúmeras crianças que acompanho no meu dia a dia tendo apenas a merenda escolar como alimento. Não fosse o atendimento escolar, lhe faltaria o caderno, o lápis, a borracha, as vestimentas e os calçados. Mas, era o dia das crianças, e para satisfazer o desenfreado capitalismo, valeria qualquer sacrifício, até mesmo o de faltar o pão, mas o brinquedo nunca!!
Saí do estabelecimento sem saber se a compra fora concluída, mas com a certeza de que pelo menos uma vez no ano, aquelas crianças são lembradas com carinho.
PS: comprei para a netinha uma boneca que “ fala” 22 palavras (rsrsrsrsrsrs), por 19,90.