Pra que dia da criança?
Por Carlos Sena
Eu nunca tive dia de criança. Não faz tanto tempo assim, mas fato é que a gente não tinha essa coisa de dia disso ou daquilo. Só lembro bem do dia das mães, mas do dia da criança, não. Por quê? Não custa nada investigar. Mas a resposta eu e tantos outros temos na ponta da língua: a gente era criança, era feliz e sabia. Diferente da canção de Ataulfo “eu era feliz e não sabia”, lembram? Pois bem: repito-me que éramos FELIZES SABENDO. Sabendo que ser criança era aquilo que a gente fazia: subir e descer ladeiras, tomar banho de rio, jogar pelada, andar atrás do palhaço quando tinha circo na cidade. Ah, também a gente gostava muito de brincar “barra bandeira”, garrafão, queimado, academia, esconder a peia (sem segunda intenção). No reino da peraltice mais braba, a gente “roubava” fruta no colégio e manga espada no quintal da casa de dona Salú, mais pela emoção de levar uma carreira do que mesmo pela necessidade de comer fruta. Também a gente ia para o circo à noite para entrar por debaixo da cerca e, lá dentro, ficar se escondendo do fiscal que nunca nos encontrava no meio do “puleiro”. No cine Brasília a gente gostava e enganar a esperta Julia – bilheteira sisuda que nunca se deixava levar pelas nossas lábias nem sempre convincentes. Quando o filme era impróprio para menores de dezoito anos, aí é que a gente ficava aceso para entrar na tora, mas, repito, nem sempre a gente consegui por conta de Júlia que mais parecia um dois de paus. Outra peraltice nossa era bater na porta do povo e correr. Quando a pessoa abria aporta não via ninguém, mas a gente do outro lado morria de rir. Fizemos isso também no colégio. Apertávamos a cigarra e irmã Celina abria a porta, enquanto a gente, por trás do cruzeiro morria de rir. No trajeto do Colégio das Freiras e do Estadual, ficavam muitas árvore de figo Benjamim. Nesse trajeto as “botadeiras de água” passavam equilibrando os potes cheios de água de ganho. A gente se escondia por entre as folhagens, perpassava fios de náilon de um lado para o outro na altura dos potes e... Era pote no chão e água derramada pra valer. Depois vinham as carreiras com medo de levar um pau das mulheres arretadas com seus potes quebrados e a água derramada. Nós, ó. Pé no mundo, porque não tinha comida no fundo. Por outro lado, como a gente já estava meio ficando com “terra no pé da bananeira”, então tinha uma tal brincadeira de “casamento francês”. As meninas de um lado e os meninos do outro já tentando ensaiar os namoros que, no futuro, se converteram em casamentos. Contar histórias! Eis um capítulo rico dos nossos dias de criança na terrinha. A gente se cercava em volta dos nossos avós (ou dos mais velhos) para viajar no universo da imaginação das histórias de Pedro Malazarte, de Cumadre Fulozinha, da Caipora, até mesmo do lobo mau... Tinham muitas outras, mas essas me marcaram mais.
Nesse universo lúdico, a gente se estabelecia criança, sem naturalmente, deixar de ir para a escola onde lá, outro universo de histórias e estórias se nos descortinava como nos dando um recado para ser entendido depois. Hoje, tempos passados, a gente compreende aquele recado que nos foi dado em cada brincadeira real ou imaginária. Hoje, quando o dia da criança se veste de tanta movimentação e de tanta compra de presentes eletrônicos, a gente se lembra: nós fazíamos os nossos brinquedos: um carro feito de tijolo. Ou feito de rolimã. Um filtro de óleo perpassado com um arame que a gente puxava e achava lindo! As bonecas das meninas eram de pano, compradas na feira – bruxas – eram assim conhecidas, mas as garotas adoravam brincar com elas. Nessa época não tinha celular, não tinha tabletes, não tinha carro com controle remoto, não tinha jogos ( e tinha: a gente jogava pedra no “escravo de Jó”, dominó, ludo, pega-vareta), não tinha pedagogia moderna (mas a gente aprendia a ler, escrever e contar e pensar e respeitar o outro), não tinha cinema em terceira dimensão (mas tinha o cine Brasília que passava seriado de Rouba Cofre, Zorro, Tarzan, etc.), não tinha cantina na escola (mas tinha banana e batata doce que a gente levava de casa pra lanchar, além do leite de Jia que o grupo dava), não tinha roupa de grife, não tinha... Não tinha... Não tinha... Tinha felicidade. Tinha criança livre. Tinha criança sendo criança, isso tinha. Se tinha tudo isso, pra que ter dia de criança? Hoje O DIA DA CRIANÇA é importante, porque entre os adultos e as crianças quase não há partição, quero dizer, quase não há limites entre pais e filhos. Quase não há sonhos compartilhados.
Ah, só pra não esquecer: a gente não cheirava pó. As vitalinas botavam pó. No escurinho do cinema as mãos dos meninos brincavam soltas no “parque de diversão” que as meninas administravam sem muito rigor... Não necessariamente nessa mesma ordem...
Por Carlos Sena
Eu nunca tive dia de criança. Não faz tanto tempo assim, mas fato é que a gente não tinha essa coisa de dia disso ou daquilo. Só lembro bem do dia das mães, mas do dia da criança, não. Por quê? Não custa nada investigar. Mas a resposta eu e tantos outros temos na ponta da língua: a gente era criança, era feliz e sabia. Diferente da canção de Ataulfo “eu era feliz e não sabia”, lembram? Pois bem: repito-me que éramos FELIZES SABENDO. Sabendo que ser criança era aquilo que a gente fazia: subir e descer ladeiras, tomar banho de rio, jogar pelada, andar atrás do palhaço quando tinha circo na cidade. Ah, também a gente gostava muito de brincar “barra bandeira”, garrafão, queimado, academia, esconder a peia (sem segunda intenção). No reino da peraltice mais braba, a gente “roubava” fruta no colégio e manga espada no quintal da casa de dona Salú, mais pela emoção de levar uma carreira do que mesmo pela necessidade de comer fruta. Também a gente ia para o circo à noite para entrar por debaixo da cerca e, lá dentro, ficar se escondendo do fiscal que nunca nos encontrava no meio do “puleiro”. No cine Brasília a gente gostava e enganar a esperta Julia – bilheteira sisuda que nunca se deixava levar pelas nossas lábias nem sempre convincentes. Quando o filme era impróprio para menores de dezoito anos, aí é que a gente ficava aceso para entrar na tora, mas, repito, nem sempre a gente consegui por conta de Júlia que mais parecia um dois de paus. Outra peraltice nossa era bater na porta do povo e correr. Quando a pessoa abria aporta não via ninguém, mas a gente do outro lado morria de rir. Fizemos isso também no colégio. Apertávamos a cigarra e irmã Celina abria a porta, enquanto a gente, por trás do cruzeiro morria de rir. No trajeto do Colégio das Freiras e do Estadual, ficavam muitas árvore de figo Benjamim. Nesse trajeto as “botadeiras de água” passavam equilibrando os potes cheios de água de ganho. A gente se escondia por entre as folhagens, perpassava fios de náilon de um lado para o outro na altura dos potes e... Era pote no chão e água derramada pra valer. Depois vinham as carreiras com medo de levar um pau das mulheres arretadas com seus potes quebrados e a água derramada. Nós, ó. Pé no mundo, porque não tinha comida no fundo. Por outro lado, como a gente já estava meio ficando com “terra no pé da bananeira”, então tinha uma tal brincadeira de “casamento francês”. As meninas de um lado e os meninos do outro já tentando ensaiar os namoros que, no futuro, se converteram em casamentos. Contar histórias! Eis um capítulo rico dos nossos dias de criança na terrinha. A gente se cercava em volta dos nossos avós (ou dos mais velhos) para viajar no universo da imaginação das histórias de Pedro Malazarte, de Cumadre Fulozinha, da Caipora, até mesmo do lobo mau... Tinham muitas outras, mas essas me marcaram mais.
Nesse universo lúdico, a gente se estabelecia criança, sem naturalmente, deixar de ir para a escola onde lá, outro universo de histórias e estórias se nos descortinava como nos dando um recado para ser entendido depois. Hoje, tempos passados, a gente compreende aquele recado que nos foi dado em cada brincadeira real ou imaginária. Hoje, quando o dia da criança se veste de tanta movimentação e de tanta compra de presentes eletrônicos, a gente se lembra: nós fazíamos os nossos brinquedos: um carro feito de tijolo. Ou feito de rolimã. Um filtro de óleo perpassado com um arame que a gente puxava e achava lindo! As bonecas das meninas eram de pano, compradas na feira – bruxas – eram assim conhecidas, mas as garotas adoravam brincar com elas. Nessa época não tinha celular, não tinha tabletes, não tinha carro com controle remoto, não tinha jogos ( e tinha: a gente jogava pedra no “escravo de Jó”, dominó, ludo, pega-vareta), não tinha pedagogia moderna (mas a gente aprendia a ler, escrever e contar e pensar e respeitar o outro), não tinha cinema em terceira dimensão (mas tinha o cine Brasília que passava seriado de Rouba Cofre, Zorro, Tarzan, etc.), não tinha cantina na escola (mas tinha banana e batata doce que a gente levava de casa pra lanchar, além do leite de Jia que o grupo dava), não tinha roupa de grife, não tinha... Não tinha... Não tinha... Tinha felicidade. Tinha criança livre. Tinha criança sendo criança, isso tinha. Se tinha tudo isso, pra que ter dia de criança? Hoje O DIA DA CRIANÇA é importante, porque entre os adultos e as crianças quase não há partição, quero dizer, quase não há limites entre pais e filhos. Quase não há sonhos compartilhados.
Ah, só pra não esquecer: a gente não cheirava pó. As vitalinas botavam pó. No escurinho do cinema as mãos dos meninos brincavam soltas no “parque de diversão” que as meninas administravam sem muito rigor... Não necessariamente nessa mesma ordem...