Falecimento do escritor Fernando Sabino em 11.10.2004 - crônica de Ialmar Pio

O ROMANCE PICARESCO DE FERNANDO SABINO

IALMAR PIO SCHNEIDER

No dia 11 do corrente faleceu o escritor Fernando Sabino, às vésperas de completar 80 anos de idade. Naquele dia procurei reler um dos seus livros, que adquiri no ano de 1984, quando veraneava na praia do Pinhal, hoje Balneário Pinhal. Foi em fevereiro. Lembro-me que lá conheci também o poeta e artista plástico Pedro Geraldo Escosteguy, de saudosa memória, sobre o qual já escrevi uma crônica quando seus trabalhos estiveram expostos no MARGS. Mas o livro em pauta, trata-se de o Grande Mentecapto, a história do Viramundo, que depois virou filme tendo como protagonista o ator Diogo Vilela. Aconteceu que o proprietário do Hotel Casino, onde me hospedava, um senhor uruguaio de meia idade, perguntou-me, vendo o livro, o que significava “mentecapto”, ao que eu lhe disse, é o Grande Louco.

Ah !... concordou...

Inicialmente, há o incidente do trem, em que Geraldo Viramundo – assim nomeado, numa de suas diabruras de menino, resolveu fazer parar a locomotiva, postando-se sobre os trilhos, com os bracinhos erguidos, enquanto seu irmão Bernardo, gritava: - Sai, Geraldo ! Sai ! Por sorte, depois do desespero do maquinista, a máquina parou. Abriu-se assim um precedente perigoso e outro menino, por apelido “Pingolinha”, filho do sapateiro Gervásio, resolveu fazer o mesmo. Só que dessa vez o trem não conseguiu evitar que a criança de uns 5 ou 6 anos, fosse esmigalhada. E desta maneira, o autor escreve, a tragédia, à pg. 24 do livro: “Uma hora mais tarde o sapateiro voltava pela picada, caminhando devagar, como um autômato, e seguido pelos outros como numa pequena procissão, a carregar nos braços, enrolado no próprio avental, o que restava do corpo do Pingolinha. Não via nada, olhos imóveis e saltados, não ouvia nada, embora os outros falassem baixinho com ele, tentando consolá-lo, tirar-lhe o filho dos braços”.

A par de ser um relato, por assim dizer, cômico, principia trágico, o que poderia ser classificado de tragi-comédia.

O romance é uma história picaresca, plena de lances hilariantes, que vai atraindo a atenção do leitor e chega-se a percorrer junto com o personagem aquelas cidades mineiras por onde ele passou. Prosseguindo, quando esteve no Seminário de Mariana, criou uma confusão dos diabos ao esconder-se em um confessionário e passar-se, ou melhor, ser confundido com o Pe.Tibério e ouvir a confissão da Vva. Correia Lopes, apelidada de Dna. Peidolina. Sem que se soubesse por que a história da confissão da viúva Correia Lopes, logo foi se espalhando por toda a cidade. Alguns moradores resolveram se postar em frente à sua casa a fim de desfeiteá-la, o que virou numa troca de impropérios. A cada um que lhe dirigia algum deboche ela respondia dizendo-lhes particularidades das relações que tivera com eles. Foi uma assuada geral.

E o que dizer de quando engajado no quartel, no 4º pelotão da Cavalaria no Exército, o viramundo se afeiçoa a um cavalo com quem começa a conversar ?

Não é meu intento aqui relatar o acontecido ao longo do relato das aventuras, por vezes constrangedoras, do mentecapto e sim apenas mencioná-las a fim de que se desperte o interesse para sua leitura.

Nas próprias palavras do escritor que assim finaliza: “Pedindo licença aos leitores, gostaria de encerrar o meu trabalho com uma citação, no idioma original, de uma errata encontrada num livro de autor espanhol, a qual bem exprime o sentimento geral que procurei captar ao longo do meu trabalho: Donde leese por la fuerza de las cosas, lease: por la debilidad de los hombres.”

Ao ensejo da aproximação da 50ª Feira do Livro de Porto Alegre, segundo ouvi dizer, vão prestar-lhe (ao autor falecido recentemente), uma justa homenagem por tudo que representou para as letras de nosso País.

Poeta e cronista – E-mail: menestrel@brturbo.com

Publicado em 27 de outubro de 2004 – no Diário de Canoas.

Ialmar Pio
Enviado por Ialmar Pio em 11/10/2013
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