O menino fujão
Nas proximidades do dia da criança uma das coisas que me veio à memória durante minha saudosa infância foi a minha capacidade de fugir. Isto mesmo, eu fugia sempre. Nunca me submeti às limitações físicas e geográficas que me eram impostas. Por diversas vezes e motivos, eu fugia, nem que fosse em pensamento.
Dizem meus parentes que em torno de quatro anos de idade me viram saindo das mediações da Falhaube, onde residíamos e já próximo à entrada do Privê Vermont com uma sacola na mão e perguntaram para onde eu ia, respondi: _ Vou fazer feira. Ainda bem que era uma pessoa conhecida e levou-me de volta para casa.
Mais tarde, por volta dos dez anos, minha finada madrinha Maria me viu pescando betas nas mediações da Fiat Lux em São Lourenço da Mata, onde havia um açude. As betas são maravilhosos peixes ornamentais importados para o Brasil com a finalidade de devorar as larvas de mosquitos responsáveis por transmitir a Febre Amarela. De várias cores e aspectos, azuis, verdes, vermelhas, brilhosas, brancas, lisas ou arrepiadas. Eu adorava pescá-las e vendê-las para outras crianças que gostavam de colocá-las para brigar. Neste dia não deu certo. Fui apreendido. Novamente fui remedido ao local de origem, mas não fiquei triste, pois reconheci que ela estava preocupada comigo.
Já na minha pré-adolescência, meu pai nos impunha uma ordem expressa. _Não quero que ninguém saia à noite! Eu, respondia-lhe em voz baixa: _ Pois durma. E quando ele caia nos braços de Morfeu, eu fugia pelos espaços que havia no basculante de ferro e vidro e por onde, se passasse minha cabeça que sempre foi grande, o resto passava. Mas, nesta época, lembro-me que era por uma boa causa e insustentável motivo. Era para ver a festa! O forró me chamava. No final dos anos 80 para o começo dos anos noventa, na Praça da Coimbral acontecia os festejos juninos da cidade de Camaragibe. Cantavam por lá os artistas Jorge de Altinho, Novinho da Paraíba, Almir Rouche e tantos outros. Eu era atraído pela música de qualidade. Saía sem dinheiro, ia só para escutar e vislumbrar a boa música.
Chegava ao final da madrugada e ia amanhecer lá no quintal, em cima do tanque de cimento de lavar roupas. Broncas posteriores à parte eram o de menos, estava com a alma lavada.
Já na fase adulta, ficava angustiado nas épocas de marasmo insuportável que assolava a cidade e não me continha. Não havia nada de interessante mesmo. Eu já bebia uns drinks, e em certa época gostava de tomar um tal de Axé de Fala, uma bebida, creio que de origem africana que aprendi tomar nas apresentações do Afro Camarás, composta de cachaça, mel, canela e ervas que além de saborosa, me satisfazia em poucas quantidades. Lembro-me que passava a noite com uma ou duas garrafinhas de 200 ml. Pois é, e após tomá-las algumas vezes fugia para o Recife. Neste tempo as Kombis eram liberadas, e tínhamos transporte sem burocracia a todo tempo e de baixo custo. Pagava-se um real até o centro da capital. E ficava perambulando por lá, olhando os prédios antigos, as pontes, os Rios. Uma vez, fui passando e vi uns homens pescando com rede. Aproximei-me, e vi que eles estavam pescando Guaiamum. Fiquei interessado e comprei certa quantidade. De volta pra casa, lavei, temperei, acendi o fogo e os coloquei na panela para cozinhar. Fui esperar uma pouco no sofá. Cochilei, dormi. Em algum tempo depois, meu pai perguntou-me que danado era aquilo que estava no fogão. Ele já havia desligado. Pois, se não fosse ele, poderia ter havido um grande incêndio.
Ainda hoje não estou conformado e sempre sinto um desejo irrefreável pela fuga. Talvez o ato de fugir nos impele sempre a uma eterna busca por nós mesmos.