O Rouxinol da Palmeira
Nas praças de Fortaleza, quando eu os encontrava, parava para aplaudi-los demoradamente.
Era um tremendo barato vê-los naquela refrega, que parecia não ter fim.
Isso acontecia no início dos anos 1950.
Ah, os nossos queridos repentistas, com suas violas sofridas, ora interpretando os queixumes do povão, ora cantando a sua revolta, e a dos outros!
Terminada a cantoria, eu lhes dava alguns tostões.
Contribuía para o sustento daqueles poetas de rua; pobres e desconhecidos, mas talentosos.
* * *
Me lembrei dos poetas populares, lendo Chico Nunes das Alagoas, um livro do saudoso Mário Lago.
Não é um lançamento póstumo. É um livro de 1975, que adquiri num sebo de Salvador. Uma raridade.
Gosto dos livros do compositor de Saudades da Amélia. Já devorei, dele, Na rolança do tempo e Bagaço de beira-estrada.
Chico Nunes de Oliveira foi um repentista nascido em maio de 1904, na cidade alagoana de Palmeira dos Índios. Por seus conterrâneos era chamado de o Rouxinol da Palmeira. Morreu em fevereiro de 1953, sem nunca ter saído de sua terra natal.
Mário Lago soube da existência de Chico Nunes quando, no interior de Alagoas, participava da filmagem de São Bernardo.
Confessa, que enfrentou dificuldades para escrever o livro sobre o repentista porque o Rouxinol nada deixara em letra de forma.
Nada, a não ser um carimbo, ressalta Lago, no qual se lia: "Francisco Nunes Brasil - Poeta - Improvisador - Palmeira dos Índios - Alagoas".
Chico tirou o Oliveira do seu nome e colocou Brasil, sob o argumento de que "o poeta precisa ter nome que lembre festa; e Nunes Oliveira não tem música". Está no livro.
De acordo com Mário Lago, Chico Nunes "foi unicamente repentista, desses ainda de glosar com o copo na mão. Sem tribuna nem local fixo para se apresentar".
Cachaceiro inveterado, mas bom de verso, Chico repetia para os amigos: "Se eu deixar de beber, morro de sede".
Encontrado num boteco em profunda fossa, o dono do bar o aconselhou a procurar um médico. E o repentista respondeu: "A Medicina não cura/ a dor da separação."
Para Honorina, um de seus amores, fez versos como estes: "Honorina, teu olhar.../ Faz poeta se inspirar/ Pra poesia ou maluqueira./ Passei a semana inteira/ No porre cumprindo a sina./ Só pensava em ti, menina, / O Rouxinol da Palmeira."
Se lhe dessem um mote, conta Lago, Chico Nunes improvisava com extrema facilidade.
Certa feita, deram-lhe este: "Na sombra negra da vida".
E ele: "Meti-me por tanto atalho/ Que não sei mais onde é a estrada. / Minha vida está cortada, / Perdi amparo e agasalho. / Hoje sou pétala caída, / Sem perfume, esmaecida,/ Levada na tempestade. / Sentindo a dor da saudade, / Na sombra negra da vida."
O livro sobre Chico Nunes é bom de se ler.
Descontrai; alegra. Pouco importa tenha ele sido escrito na base do "ouvi dizer", porque, repetindo, o repentista jamais colocou sua poesia no papel.
Improvisava seus versos, e saía recitando-os pelas ruas acanhada da sua amada Palmeira.
Ora, a Bíblia, embora tenha contado com a ajuda do Alto, também foi escrita a partir de depoimentos de pessoas que não teriam acompanhado o Rabino, nas suas andanças pela Palestina; acho que com exceção de João, o autor do Quarto Evangelho.
Nem por isso, o Livro Sagrado teve, através dos séculos, sua credibilidade abalada.
Não fosse Mário Lago, e a história desse repentista alagoano estaria, apenas, no seu carimbo, e na placa de uma rua na cidade de Palmeira dos Índios.
O Brasil jamais saberia, que, nos cafundós das alagoas, vivera um belo poeta popular chamado Chico Nunes Brasil, o Rouxinol da Palmeira.
Nem pelo folclorista cearense Leonardo Motta ele foi lembrado. E nos livros do minucioso Câmara Cascudo ele não é apontado.
Sentindo que ia morrer, Chico Nunes assim pilheriou: "Se eu ganhar a vida eterna,
Não tenho saudades do mundo."
Nas praças de Fortaleza, quando eu os encontrava, parava para aplaudi-los demoradamente.
Era um tremendo barato vê-los naquela refrega, que parecia não ter fim.
Isso acontecia no início dos anos 1950.
Ah, os nossos queridos repentistas, com suas violas sofridas, ora interpretando os queixumes do povão, ora cantando a sua revolta, e a dos outros!
Terminada a cantoria, eu lhes dava alguns tostões.
Contribuía para o sustento daqueles poetas de rua; pobres e desconhecidos, mas talentosos.
* * *
Me lembrei dos poetas populares, lendo Chico Nunes das Alagoas, um livro do saudoso Mário Lago.
Não é um lançamento póstumo. É um livro de 1975, que adquiri num sebo de Salvador. Uma raridade.
Gosto dos livros do compositor de Saudades da Amélia. Já devorei, dele, Na rolança do tempo e Bagaço de beira-estrada.
Chico Nunes de Oliveira foi um repentista nascido em maio de 1904, na cidade alagoana de Palmeira dos Índios. Por seus conterrâneos era chamado de o Rouxinol da Palmeira. Morreu em fevereiro de 1953, sem nunca ter saído de sua terra natal.
Mário Lago soube da existência de Chico Nunes quando, no interior de Alagoas, participava da filmagem de São Bernardo.
Confessa, que enfrentou dificuldades para escrever o livro sobre o repentista porque o Rouxinol nada deixara em letra de forma.
Nada, a não ser um carimbo, ressalta Lago, no qual se lia: "Francisco Nunes Brasil - Poeta - Improvisador - Palmeira dos Índios - Alagoas".
Chico tirou o Oliveira do seu nome e colocou Brasil, sob o argumento de que "o poeta precisa ter nome que lembre festa; e Nunes Oliveira não tem música". Está no livro.
De acordo com Mário Lago, Chico Nunes "foi unicamente repentista, desses ainda de glosar com o copo na mão. Sem tribuna nem local fixo para se apresentar".
Cachaceiro inveterado, mas bom de verso, Chico repetia para os amigos: "Se eu deixar de beber, morro de sede".
Encontrado num boteco em profunda fossa, o dono do bar o aconselhou a procurar um médico. E o repentista respondeu: "A Medicina não cura/ a dor da separação."
Para Honorina, um de seus amores, fez versos como estes: "Honorina, teu olhar.../ Faz poeta se inspirar/ Pra poesia ou maluqueira./ Passei a semana inteira/ No porre cumprindo a sina./ Só pensava em ti, menina, / O Rouxinol da Palmeira."
Se lhe dessem um mote, conta Lago, Chico Nunes improvisava com extrema facilidade.
Certa feita, deram-lhe este: "Na sombra negra da vida".
E ele: "Meti-me por tanto atalho/ Que não sei mais onde é a estrada. / Minha vida está cortada, / Perdi amparo e agasalho. / Hoje sou pétala caída, / Sem perfume, esmaecida,/ Levada na tempestade. / Sentindo a dor da saudade, / Na sombra negra da vida."
O livro sobre Chico Nunes é bom de se ler.
Descontrai; alegra. Pouco importa tenha ele sido escrito na base do "ouvi dizer", porque, repetindo, o repentista jamais colocou sua poesia no papel.
Improvisava seus versos, e saía recitando-os pelas ruas acanhada da sua amada Palmeira.
Ora, a Bíblia, embora tenha contado com a ajuda do Alto, também foi escrita a partir de depoimentos de pessoas que não teriam acompanhado o Rabino, nas suas andanças pela Palestina; acho que com exceção de João, o autor do Quarto Evangelho.
Nem por isso, o Livro Sagrado teve, através dos séculos, sua credibilidade abalada.
Não fosse Mário Lago, e a história desse repentista alagoano estaria, apenas, no seu carimbo, e na placa de uma rua na cidade de Palmeira dos Índios.
O Brasil jamais saberia, que, nos cafundós das alagoas, vivera um belo poeta popular chamado Chico Nunes Brasil, o Rouxinol da Palmeira.
Nem pelo folclorista cearense Leonardo Motta ele foi lembrado. E nos livros do minucioso Câmara Cascudo ele não é apontado.
Sentindo que ia morrer, Chico Nunes assim pilheriou: "Se eu ganhar a vida eterna,
Não tenho saudades do mundo."