O que o Brasil vai ser quando crescer?
“O que você quer ser quando crescer” é possivelmente a pergunta que mais ouvimos quando crianças, juntamente com a insuportável “já escovou os dentes?”. Ou então sua variante mais fatídica: o que você vai ser quando crescer?
Lembro do quão enigmático isso me soava. Tentava projetar o futuro e adivinhar-me fazendo alguma coisa que fizesse algum sentido. Invariavelmente me via com uma barba espessa lá no ano 2000 (a data mais longínqua que uma criança no final dos anos 70 seria capaz de projetar). Tinha certeza que seria astronauta. Depois tive certeza que seria jogador de futebol, jogador de basquete, guitarrista e rockstar, dentre outros delírios ainda mais implausíveis. Acabei não sendo nada disso. Nunca tive barba e jamais entrei em acordo com uma bola de futebol. Previsível. Como descobrir o que você vai ser para o resto da vida com nove anos de idade?
De alguma forma, acabei sendo aquilo que eu queria ser, ou pelo menos o que era possível ser tendo em vista a soma perversa de conjuntura e inépcia. Escolhi meus caminhos, tortos ou não. Mas a pergunta “o que você quer ser quando crescer” jamais deixou de ressoar na minha cabeça de criança e adolescente, com uma ameaçadora urgência que não pude esquecer.
E o Brasil, o que quer ser quando crescer? Faz alguns séculos que o país já passou da puberdade. É um senhor de 513 anos, que até agora não respondeu ou refletiu adequadamente à inescapável pergunta. Talvez seja um traço da nossa personalidade festiva, malemolente, sempre fugindo das obrigações e de tudo é desprazeroso ou amargo. Mais uma faceta do nosso clássico infantilismo cívico.
Uma das coisas que mais incomodam por aqui é a impressão de que o Brasil é sistematicamente governado com o olhar no curto prazo, sem pensar nem construir as bases para o futuro. Atavicamente presos ao limitado horizonte da próxima eleição. Condenados à mediocridade do imediato, à miopia do curto prazo.
Países mais atrasados e problemáticos que o Brasil vêm enfrentando seus fantasmas, não apenas os de curto prazo, mas criando soluções que permitirão um avanço mais duradouro e sólido. Nada faz crer que seja o nosso caso. E nem estou falando de partido X ou Y. A despeito das inegáveis melhoras que tivemos nas duas últimas décadas, essa falta de planejamento de longo prazo parece um traço comum a todos os últimos governos. Os apagões energéticos, logísticos, aeroportuários e de infraestrutura são pequenos exemplos do nosso descompasso. Poderia citar também a falta de médicos, engenheiros e professores de matemática.
Mais não listo, por respeito à sua inteligência e precioso tempo.
E assim vamos sendo condenados ao eterno vôo galináceo, uma corrida capenga em que jamais alcançamos o próprio rabo. Perpetuamente atrofiados, batendo o recorde mundial de vôo em círculos. Já tivemos de tudo em nossa sinfonia assíncrona. Desenvolvimento sem liberdades, liberdades sem empregos, estabilidade sem esperança, otimismo sem decência, consumo sem saúde. Um país sem projeto.
Não é possível governar um país de 200 milhões de pessoas, do tamanho de um continente, tão heterogêneo, complexo, problemático e desigual pelo espelho retrovisor. É preciso pensar os próximos 20, 30, 50 anos. Corremos o risco de perder o bonde da história. Mais uma vez.
Que o desfile de clichês seja perdoado, mas estamos vivendo uma era sem precedentes, de profundas transformações e impactos colossais em escala global. Isso requer preparo, planejamento e visão de futuro. Podemos ser protagonistas ou coadjuvantes. Mas nossa letargia e incapacidade de fazer o que precisa ser feito parece deixar cada vez mais evidente que só nos restará um papel no segundo grupo.
Precisamos investir como nunca investimos, e com eficiência, na Educação, única porta de entrada para um futuro realmente melhor. Precisamos exercer um papel relevante na economia criativa e digital do futuro. Porque deixando a vida nos levar, nem cresceremos, nem jamais seremos o que queremos ser.
O que o Brasil vai ser quando crescer?