A Ilusão da Justiça

Quando o ministro Celso de Mello proferiu o seu voto abriu-se uma enorme brecha por onde passarão as tropas do governo para livrar a quadrilha de mensaleiros das grades.

Hans Kelsen, jurista famoso, escreveu a "Teoria Pura do Direito", tida por positivista, alheia às inspirações éticas e políticas, segundo seus detratores, e "A ilusão da Justiça", obra densa, filosófica, demonstrando o conflito entre a inevitabilidade do Direito positivado nas leis e a pungente busca dos povos pela realização da Justiça ao longo da história.

Esse conflito mostrou-se no STF quando se reabriu o julgamento de alguns crimes de certos réus do mensalão. Não se discute os infringentes do art. 333, I, do regimento interno. A questão é a sua validade. Imune ao clamor das multidões a gritar pela punição dos mafiosos, já condenados, ou seja, pela igualdade de todos perante a lei penal.

O ministro Celso de Mello desempatou a votação ao acolher os infringentes a cavaleiro das consequências éticas e políticas da sua decisão; ao fundamento de que quatro entre 11 ministros davam pela inocência de alguns réus (inutilizando os votos vencedores).

Oras, milhares de réus são condenados em 1ª instância todos os anos no Brasil, sem apelação. Os infringentes foram recebidos como recurso ordinário, uma apelação esdrúxula. O ministro falou inúmeras vezes em direito dos réus, de qualquer réu. O juízo era de admissibilidade do recurso e não de mérito. Ele próprio condenara os recorrentes em toda a extensão do libelo do MP e repetirá o veredicto, caso não se aposente, como se cogita.

Votos contrários e decisões por maioria fazem parte do dia a dia dos tribunais. A exigência de consenso é um absurdo. Quatro votos vencidos não anulam sete vencedores. Isso só ocorre no Brasil dos privilegiados e dos seus processos sem fim.

A coisa está mais para procrastinação do que para o Direito de defesa.

Vislumbra-se uma tendência em curso: jogar no lixo os votos contrários dos ministros que saíram e colher novos votos dos ministros neófitos, que nem sequer votaram.

Dizem não ser duplo grau de jurisdição mais outro julgamento com outra composição votante. Os novos ministros são imparciais. Mas se votarem contra o crime de quadrilha ficarão marcados.

O voto do ministro Celso de Mello merece respeito. É um homem probo. Alguém já o denominara Varão de Plutarco. Roberto Pompeu de Toledo asseverou: "É uma figura do Brasil que queremos, mas julgou para o Brasil que temos".

Com o seu voto ele abriu uma enorme brecha no castelo da bela e adormecida Justiça do Brasil. Por ela marcharão as tropas do PT para livrar a quadrilha das grades. Os advogados estão a postos. Apenas cumprem os seus deveres. Vivemos no país da desfaçatez. Torna-se necessário que o Congresso acabe com esse recurso que só existe no Brasil e refleta como os argutos romanos há dois milênios: "Sumo jus summa injuria", ou seja; nem tudo que é legal, é justo!

É o jeito PT de governar. Pelo andar dessa carruagem certamente teremos de aguentar décadas e mais décadas dessa corja que tomou o poder via estelionato eleitoral. Pobre Brasil, ou melhor, coitado dos brasileiros!