MORADORES DE RUA (TRABALHO VOLUNTÁRIO)

Há seis anos eu ainda trabalhava como voluntário numa ONG internacional como palestrante de Prevenção de Desastres e Acidentes Domésticos, Higiene e Saneamento e Primeiros Socorros (básico). O meu mais recente trabalho em 2007 foi fazer uma palestra sobre Prevenção de Desastres para moradores de rua em um albergue na região sul de São Paulo.

Devido à desorganização, eu pedi minha demissão nesse dia, pois a entidade não sabia de minha palestra e não tinham “recebido” o material para apresentação. A minha assistente não compareceu. Quando liguei para a ONG e me disseram que tinham entregado o material, eu indaguei a portaria e o porteiro me disse: - Entregaram-me esta pasta e disseram que era para a diretora e ela só vem às 14:00 horas.

A pasta não continha destinatário (no caso eu) e também era uma pasta sem referencia à ONG, era uma pasta simples e quando eu a abri, as transparências estavam em desordem. Liguei para a ONG e pedi minha demissão. A coordenadora da ONG implorou-me para que eu fizesse a palestra mesmo sem assistente. Como eu tinha me comprometido, resolvi fazê-la. Uma albergada disse-me que ajudaria no que fosse possível. A palestra era de 2 horas e eu só tinha meia hora, já eram 10:30 horas e o almoço começava a ser servido às 11:00 horas. Foi então que uma senhora com autoridade dentro da entidade avisou a todos que o almoço atrasaria uma hora, pois achava que era importante para eles a palestra. A palestra foi no restaurante onde improvisamos o local, focando a parede. A plateia era grande, mas o que mais me impressionou foi que eu esperava por moradores de rua com a roupa suja, homens barbudos, enfim como estava acostumado a ver essas pessoas, no entanto estavam limpos e bem barbeados, as mulheres, principalmente, a que ficou a meu lado cheirava a banho, isto é, sabonete. Depois tirei minha dúvida e fiquei sabendo que a condição para almoçar era estar banhado. Como disse antes eram moradores de rua, o albergue dava alimentação (café, almoço e janta). Mas albergues não são para as pessoas dormirem? Logo fiquei sabendo que o albergue era pequeno e os leitos já estavam completos. Louvei a atitude.

Iniciei a palestra pedindo a todos que não me interrompessem, pois o tempo era curto, mas eu me dispunha a esclarecer todas as dúvidas após o almoço. Fiz a palestra em uma hora e almocei no albergue para tirar as dúvidas dos moradores de rua.

A minha palestra era sobre prevenção de desastres, como enchentes, deslizamentos em encostas, acidentes elétricos que poderiam ser causados nos casos de chuva intensa, etc., mas o que mais me surpreendeu é que os moradores de rua não estavam nem aí com esses problemas. A primeira pergunta que me fizeram foi: “O senhor é médico”?

Respondi de pronto que não, mas tremi na base, pois vi que o semblante deles mudou para decepção e eu me perguntava: O que vou falar agora? Fiz tanto treinamento, mas sobre doenças eu apenas conheço aquilo que é divulgado pela televisão e os sintomas de doenças mais comuns como dengue e leptospirose e isso eu já tinha falado. Aí alguém se pronunciou:

- O senhor não falou sobre a tuberculose.

Realmente eu não tinha falado, pois não estava no programa e nem nas apostilas, então perguntei de forma geral: - Alguém entre vocês pensam que estão com tuberculose? Sentem tosse, escarram sangue, tem febre? Gente se esses sintomas aparecerem, vocês devem procurar imediatamente um posto de saúde que fará uma avaliação e um retiro para um sanatório se for o caso. E tomem cuidado para não transmiti-la aos demais colegas e amigos. Durante todo o tempo que aqui estive, não vi ninguém tossir e isso é um bom sinal. Cuidado também com a pneumonia que causa alguns dos mesmos sintomas. Procurem sempre um posto de saúde.

Senti que o semblante deles melhorou. E percebi também que estavam com medo do inverno que se aproximava. Não gosto de usar a palavra última (o), então digo, embora esta tenha sido a palestra mais recente que fiz, foi a que mais me emocionou. No dia seguinte entreguei a minha camiseta e a carteira de identificação e oficializei a minha demissão pela bagunça. Nunca tive um retorno de minhas palestras no sentido de que agradei ou não, mas eram preenchidos uns questionários de avaliação pelos diretores das entidades que atuei.

Uma semana depois recebi um convite para um coquetel de despedida da coordenadora da ONG. Ela tinha sido promovida e ia deixar o Brasil. Aí compreendi o porquê do silencio de minha avaliação. Era necessário mostrar serviço, para receber a subvenção do exterior. Bem ou mal que importa? Achei que era muito cinismo.

SANTO BRONZATO em 09/10/2013.

SANTO BRONZATO
Enviado por SANTO BRONZATO em 09/10/2013
Código do texto: T4518023
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.