O tom da sombra
“D. Fulana, a senhora mandou podar a plantinha!...”
“É que assim fica mais bonito, Gina.”
A residência de D. Fulana é bem defronte ao campus federal onde passo oito horas de minha vida diária; eis que mais um dia de trabalho começa – mas teve ‘bom dia’ de parte a parte, primeiro, que somos pessoas corteses.
Confesso: tive vontade de gentileza, não, depois... Pudesse, arrancaria os cabelos dela, até ficar quase careca que nem os galhos desfolhados, antes tão verdes...
O ‘neem’ é uma planta indiana da mesma família do mogno e do cedro, cujos frutos não servem de comer nem aos passarinhos, mas que cresce rapidamente, forma copa de até cinco metros de diâmetro, tem pouca necessidade de água e suporta altas temperaturas – ideal, portanto para estas paragens precisadas de muita sombra, e que, por talvez isso, virou febre.
E a gente bem poderia encontrar a frondosa em quase toda esquina, se o povo dessa cidade tivesse hábito de plantar e cuidar – ao mesmo tempo em que os ambientalistas preveem desequilíbrios ao meio, por causa da estrangeirice da árvore.
Mas não vou discorrer sobre meio ambiente, que disso pouco entendo. Só queria saber por que, raios!, os seres humanos tem essa vontade imperiosa de ver beleza em tudo, e incoerentemente até esquecem da função primeira das coisas! Não pode um objeto/instrumento/coisaqualquerqueseja ser essencialmente ‘belo’ em sua utilidade, forma, bondade? Belo – tão somente em sua ‘verdade’?
Respeito os especialistas, quando afirmam que poda é necessária ao crescimento ‘correto’ das plantas. Mas eu preferiria uma árvore desendireitada, caule e galhos e folhas plenas, em cor luxuriante, que mais parece poesia... uma plantapoema, registrada em letras ver(da)des.
Filosofias a parte, retruquei a D. Fulana: “Bonito, mesmo, é a sombra que a planta dá!”
E me fui, com saudade da planta e vontade de poetar...