As violências do futebol

Era dia de festa, dia de clássico. Chegamos com antecedência, porque queríamos pegar um bom lugar, mas ficamos sem ter o que fazer até a hora do jogo. Por isso decidimos nos juntar ao coro que ofendia a família da torcida adversária até a sétima geração. Quis o destino que você sentasse bem à minha frente, com suas amigas ao lado. Encolhida, tímida, logo se via que não tinha intimidade com as violências do futebol. Depois que o jogo começou, pouco se mexeu na cadeira. Nós, ao contrário, levantávamos a cada ataque, pulávamos ao som dos gritos de guerra, erguíamos a voz para reclamar do nosso atacante, xingávamos o bandeirinha que deu impedimento.

Como era hostil aquele ambiente para você! Dentro do campo havia chutes, carrinhos, pontapés e empurrões, mas ali na nossa frente havia uma garota se sentindo terrivelmente deslocada. E o pior era que ninguém percebia – nem mesmo aqueles que diziam ser dos nossos. O vizinho da direta comia amendoins e derramava cascas em cima do seu cabelo moreno. Quatro fileiras à nossa frente, um homem enfurecido jogou o seu copo de refrigerante no chão. Estava indignado com um gol do time adversário – um gol que foi anulado. Pensando em você, tentei me conter nas exaltações, e mesmo quando fizemos gol eu não gritei tanto como de costume.

Veio o intervalo e suas amigas saíram para comprar alguma coisa. Você ficou lá, ainda mais sozinha, com a mão macia em cima de um banco sujo, guardando o lugar. No segundo tempo caiu a chuva, o campo ficou um lamaçal, o jogo ficou feio e eu tive vontade de te levar para um camarote. Quando o jogo acabou, tivemos que esperar que a torcida adversária saísse. Para não dar briga, garota. Você acredita que as pessoas são capazes de brigar? Quando saímos, ainda havia muitas buzinas e gritaria, comemorando a nossa vitória. Fiquei aliviado quando vi você entrar em um carro – estava salva! E só então, lá de dentro da minha alma, é que soltei o grito feroz:

- Ganhamos, porra!