O coração acelerado
Subia uma das poucas escadas rolantes em funcionamento na rodoviária do Plano Piloto. Era começo da noite e estava com fome. Queria fazer um lanche no Conjunto Nacional. No mesmo degrau, aparece um jovem de chinelo, vestindo capuz. Ao final da escada, deixa que ele desça à sua frente. Ambos deveriam agora seguir para mais um lance de escadas, mas percebe algo estranho no jovem à sua frente e muda a direção. O jovem, pouco antes do primeiro degrau, percebe o movimento e faz o mesmo. Não resta dúvida: está sendo seguido.
Agora os dois caminham pelo primeiro andar da rodoviária. Encontra pessoas assistindo televisão e decide se juntar a elas. Atrás dele, o jovem interrompe o passo. Ficam assim um tempo: ele fingindo que assiste televisão e o jovem esperando. Súbito, um movimento: o perseguidor também se aproxima da TV. Antes que aconteça alguma coisa, decide sair dali e continuar caminhando. Não olha pra trás, mas sabe que ele está fazendo a mesma coisa. Para onde levar esse sujeito, pensa. Descobre um policial e para ao seu lado. Funciona: o jovem passa ao largo, sem olhar para eles.
Sorri do seu sucesso. Mas ainda precisa subir a escada rolante se quiser chegar ao Conjunto Nacional. Volta pelo mesmo caminho, sobe a escada que devia ter subido antes e decide contornar o estacionamento. Está começando a fazer isso quando olha para trás e vê o mesmo capuz. Atravessa a rua na direção de um ponto de ônibus e volta correndo para a rodoviária, disposto a chamar o policial. Não o encontra mais. Em compensação, percebe que não foi seguido de volta. Desiste de ir ao shopping e entra num restaurante da própria rodoviária. Repara que está com o coração acelerado. Começa a comer mas leva um susto quando param diante dele. Era apenas uma garotinha de cinco ou seis anos, pedindo dinheiro para uma marmita. Seria enxotada dali assim que o dono do restaurante percebesse. Sem nenhuma compaixão, sem inventar nenhuma desculpa, ele apenas diz que não.