Alegria, alegria
Acordo de minha sesta, mais do que merecida, meio enebriado, os olhos ainda repletos de peso não enxergam muita coisa, pego os óculos, vou à sala praticar um reconhecimento de território, vejo o rabo eufórico de minha cadela balançar, ouço algazarra. Ainda sem entender muita coisa me recosto no sofá para tentar assentar tudo aquilo que rondava minha cabeça leve, com o plim plim sinto a cabeça assentar, relembro de algumas conversas no outro dia, onde na escola os amigos me falavam com espírito guerrilheiro, reformador, doído, do protesto que aconteceria nesta tarde que eu, muito “pequeno” com 17 anos fui proibido de ir, sei lá, tive que entender meus pais, nunca poderíamos prever a reação da polícia, nunca nos rebelamos.
No outro dia ouvi algumas coisas como “minha geração derrubou Collor”, “minha geração venceu a ditadura”, enquanto calado pensava em minha resposta: “minha geração pode ser resumida como um neguinho, magrinho, de cabelo espetado que mete gol pra caramba e deixa todo mundo feliz”, vi que não era má coisa, já que como todos sou fã do Neymar, e me admira aqueles que tão revoltosos com a política misturam o futebol com tudo isso, lamentável. Na TV só o que vi foram nossas ruas lotadas, lembrei-me do carnaval, afinal de contas estou no em Recife, e quando vejo um Conde da Boa Vista lotada, pontes que recuam até o estrondoso Capibaribe é porquê Alceu começou a tocar.
Mas não, não era isso, e eu descrente do movimento revolucionário que estava acontecendo ainda podia ver rostos gordos, barrigas também, que não me tiravam a imagem de algumas pessoas do protesto com a roupa do rei Momo, outros tão altos que, sem dúvida poderiam ser bonecos de Olinda, tão vistosos mas sem o colorido natural, esses pareciam cinza, trajados com uma cor amistosa junto a um preto de ódio, revolta, faltou o vermelho de sangue, e o verde do dinheiro, onde foram parar..? Vejo mulatas, loiras, ruivas mulheres bonitas e outras nem tanto, que facilmente representariam as próprias brasileiras e as turistas, claro, mas faltava o samba, e sobrava os passos bêbados, desengonçados daqueles que não sabia para onde rumar, iam pela “festa”, parecia até Carnaval.
Vi também bêbados, reacendendo em mim agora a esperança de que fosse fevereiro, pessoas que conseguiam rir em meio a corrupção, cartazes revolucionários e vozes roucas de tanto gritar. A grande quantidade de pessoas me lembrava a Apoteose lotada, onde flashes se encontram com lantejoulas, mas nessa escola de samba faltava algumas coisas, como um mestre-sala e porta-bandeira, vi vários, quando o certo é ver uma só, vi várias cores na avenida lotada, vi arco-íris, foices e martelos, quando eu queria ver só uma agremiação, faltava um diretor da escola, o que se via era passistas refratários, eu ouvia surdos ditarem seu próprio tom, ouvia mudos também, que me tiravam do sonho carnavalesco.Ouvia com muita clareza uma escola de samba sem tanta animação, regada de patriotismo revolto, cantando a plenos pulmões o seu hino, seu samba enredo o “Ouviram do Ipiranga” e no fim, pude ouvir homenagens àqueles que fizeram parte da velha guarda revolucionária, Geraldo Vandré cantando um pouco das flores...
A pluralidade de movimentos no país me fez ficar encantado, o Brasil saía de casa, não para frevar ou sambar, mas para reclamar, o país do futebol criticava estádios, pensei em pular da janela, atirar-me a multidão, mas não, preferi sentar-me no sofá e esperar que comece a Copa das Confederações e rezar para que no próximo ano não me falte Carnaval e sobrem passistas, reis momo, surdos, tantãs e ganzás, mas antes disso tudo quero o fim desse carnaval fora de época, quero curtir o São João que vem chegando comendo aqueles com cara de pamonha, debulhando todo o milho possível para esquecer tudo isso ao som de um forró.
Gabriel Amorim 22/06/2013 http://devaneiospalavras.blogspot.com.br/