Divagando entre guardanapos

Sentado um pouco, parado para refletir pude observar levianamente os movimentos mínimos das engrenagens menores da máquina sociedade e paro logo num diálogo estranho de um mendigo com um senhor engomado demais para ser patrão e largado demais para ser operário, um rapaz de classe média, que se negou veementemente a dar uma moeda, essa pequena esfera que no mundo atual representa... TUDO.

Enfim, desprezando esse fato, vi a importância de umas simples moedas na vida de um alguém, às vezes, me rebelo com o fato de minhas moedas servirem de incentivo ao vício, mas faço questão de repassá-las quando possível. Terminando meu almoço ao ar livre, peço a conta como de praxe e também rotineiramente dei minha humilde contribuição ao garçom, uma gorjeta, fui surpreendido com uma retribuição ao que deveria ser um ato isolado, o garçom falou que da próxima vez o chamasse que ele “capricharia” pra mim, fiquei decepcionado.

Sou de uma geração em que a gorjeta serve como uma forma de consentimento com a pobreza do outro, seria até uma afirmação de minha superioridade sob aquele que está pegando minhas “migalhas”, péssimo conceito, mas objetivamente muito aplicado, aliás, o que difere um restaurante caro de um meia boca? Suas gorjetas, seus 10% de um serviço cada vez mais vagabundo, gerando indignação, que mais uma vez reflete em um não dar gorjeta.

Acho engraçado perceber que algumas pessoas tomadas de sua posição de superioridade inabalável ficam chocadas com aqueles que não aceitam gorjetas, como os americanos, povo idolatrado, mas sonhador, me pergunto se a rejeição ao “agrado” é uma não aceitação de sua condição miserável, ou apenas mais um princípio ético daqueles que só se lê em discursos políticos.

Melhor ainda nesses momentos é olhar para os exemplos, pessoas ricas, mas humildes, penso que essas vivem um dilema na hora de pagar a conta, ficam entre a ostentação e a profissão de vida, terminam dando o dinheiro, pois preferem não ser chamados de mesquinhos, já contando com a ignorância daqueles que não identificam o verdadeiro significado de uma gorda gorjeta, sinto um clima maquiavélico me dominar, mudo de assunto.

Guardei minha reflexão até que voltei ao estabelecimento de outrora, dessa vez me concentrei apenas em comer, salvo as pausas que fiz para refletir frases como “ninguém é perfeito”, usando de minhas analogias de botequim pensei que Deus poderia ser chamado de Ninguém, pois somente assim Ninguém roubaria, Ninguém trairia, mas Ninguém também mentiria, desfazendo meu pensamento litúrgico em meio a uma refeição. Voltando ao tema, me passou despercebido a tal ajuda do garçom feliz, esqueci de procurá-lo perdido em pensamentos de ninguém, talvez o rapaz estivesse de folga, paguei a conta e junto com ela automaticamente dei minha gorjeta, o garçom recusou-a, uma exceção, saí mais satisfeito do que nunca como espírito, mas só Ninguém sabe da minha vontade de esbofetá-lo ao negar meu rico dinheirinho...

Gabriel Amorim 25/06/2013 http://devaneiospalavras.blogspot.com.br/

Gabriel Melo Amorim
Enviado por Gabriel Melo Amorim em 06/10/2013
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