1985 antes de 1984
Apesar das analogias que podemos fazer com o mundo em que vivemos e aquele descrito por Orwell em seu 1984, ainda não chegamos ao mesmo estágio de controle social. Seu grande mérito é justamente ser evocado nas ocasiões em que parecemos nos aproximar dele. É possível que cheguemos antes ao mundo previsto por Burgess em sua desconhecida novela 1985 – um livro que, ao contrário do alardeado, não se propõe a contestar o 1984, mas destrinchar as suas motivações, esmiuçar as suas apreensões, e por fim propor também ele uma visão do futuro.
E o que Burgess previa era um aumento sem precedentes no número de greves, cada vez mais usadas como um instrumento de guerra, a ponto do próprio governo virar um fantoche na mão de sindicatos cada vez mais influentes. Na história, um incêndio consome um hospital inteiro e não há ninguém para apagá-lo, pois os bombeiros estão em greve. O prédio é todo destruído e os seus ocupantes morrem. Assim como no livro de Orwell, também aqui o individual é totalmente absorvido pelo coletivo – só se sobrevive como membro de uma organização sindical.
Penso nesse livro toda vez que as greves tomam conta dos noticiários. Seja essa dos bancários, a maior dos últimos 20 anos, ou a dos Correios, a dos professores no Rio, em Belém, em Teresina, em Goiânia, no Mato Grosso, a dos metroviários no Recife, os petroleiros em pleno aniversário da Petrobras, os estudantes na USP, a polícia civil em Goiás e Pernambuco, os caminhoneiros autônomos de Salvador, o Detran no Piauí, os metalúrgicos no ABC, os agentes penitenciários em Londrina, a quase greve até dos jogadores de futebol, e a greve nacional dos médicos prevista para a próxima semana. Não estou contando a dos funcionários públicos nos Estados Unidos porque lá não existe greve, só paralisação. E todas, afinal, com a sua justiça, o seu direito legítimo, mas também todas com o seu prejuízo à população. Torçamos para que nada incendeie em caso de greve dos bombeiros.