Porta-retratos

Ele abre um livro, toma uma dose de uísque, vai até a janela esperar o que nem ele mesmo sabe. Acende as luzes, escreve algumas linhas, apaga as luzes. A inquietação é maior do que a sala, do que o apartamento.

Batia as unhas contra os dentes e a cabeça contra a parede, mas as ideias não se assentavam.

Tinha uma saudade perturbadora e tinha razões de tê-la. Sabia que Adelina não voltaria. Não voltaria nunca mais. A vida havia se despedido dela.

E não havia palavras, ou consolos que transformassem a dor da perda eterna em alivio. Não é como dor dente, nem como dor de parto. A dor de perder alguém amado é uma dor que mistura agonia, desolação e aperto no peito.

Ele sabia que ia passar um dia, passar não. A dor iria aplacar, mas isso levaria muito tempo.

E até lá, como seria?

Adelina não vai estar mais em casa, quando ele chegar. Não vai rir das bobagens que ele dizia. Não vai o ouvir contar como passou o dia, e tudo que aconteceu. Essa dor era pesada demais pra carregar. O cheiro de Adelina estava colado nos talheres, nas toalhas e até no hall.

Os dias passavam e a dor não cessava, a agonia se igualava ao mar em tamanho. Só quem já perdeu alguém para a morte, sabe o que sentiu. Sabe quanto tempo levou para se recuperar. E sabe também que vez outra bate aquela saudade avassaladora, um choro pelos cantos pra ninguém notar.

Ele decidiu então, depois de muito tempo, não fugir dessa dor, lutar contra ela e domá-la. Foi até uma loja de presentes, comprou porta-retratos. Muitos, de todas as cores, todos os modelos. Em casa, enquanto separava fotos de Adelina, chorava dissoluto, e não queria mais esse choro. Juntou todas as fotos, as colocou nos porta-retratos e espalhou pela casa toda.

Depois, quando parou e olhou pra tudo aquilo. Ele fez algo que há muito tempo não tinha feito, sorriu. Viu Adelina corresponder, na foto do canto de mesa da sala.

A partir daí, a dor da perca tornou-se uma grande aliada.

Ele entendeu que Adelina estaria lá sempre, nas lembranças, no sentimento, no pensamento, nas fotografias, e no sorriso que ela exibia nelas.

Patricia Naia
Enviado por Patricia Naia em 03/10/2013
Código do texto: T4509545
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