Morar sozinho é
Morar sozinho é, pelo menos nas primeiras semanas, aproveitar aquilo que chamam de independência. Não há ninguém para nos dizer o que fazer, podemos ficar até tarde vendo televisão (o controle remoto é sempre nosso), comer besteiras a qualquer hora, ouvir apenas as músicas que queremos ouvir, sem se preocupar com o volume, acordar tarde sem culpa, ser tolerante com a nossa própria bagunça e desorganização. É fazer o que bem entender, criar as nossas próprias regras, na certeza de que ninguém poderá se levantar contra elas. Um mundo livre, cheio de novidades, cheio de euforia e irresponsabilidade.
Mas morar sozinho também é, depois das primeiras semanas, dar-se conta de que nunca haverá alguém em casa para ouvir as coisas que aconteceram com você durante o dia. É começar a procurar motivos para adiar a volta para casa (o terrível encontro consigo mesmo). É querer fazer algo à noite inclusive às segundas-feiras. É perceber que os outros, aqueles que não moram sozinhos, estão sempre cansados e tudo que desejam é não sair de casa nunca. É deixar passar o ônibus que o levará pra casa, porque afinal você não tem pressa nenhuma.
Morar sozinho também é voltar para casa sozinho. É nunca receber uma ligação perguntando por que você está demorando tanto, lembrando que você precisa comprar pãozinho e que o leite acabou. É não ser aguardado nem celebrado. É chegar em casa e perceber que, novamente, é a sua vez de lavar a louça, é você que deve limpar a casa. É se entreter na frente do computador a maior parte da noite. É comer ali mesmo, de qualquer jeito. É falar sozinho enquanto assiste televisão. Ler um livro que tenha uma história boa, cheio da vida que você não encontra em casa. Não abraçar nem beijar ninguém – não amar. É ninguém ficar sabendo quando você está triste.
Mas, sobretudo, morar sozinho é ignorar tudo isso. Encarar com naturalidade, não pensar muito, às vezes até rir da situação. Morar sozinho é tentar viver como se não morasse sozinho.