Ensinantes: eternos aprendizes
Ensinantes: eternos aprendizes
Desde cedo aprendemos coisas. Aprendemos a respirar porque a vida assim ordena; aprendemos que existe um mundo ao nosso redor; aprendemos que a existência é feita de pequenas aprendizagens que somadas tomam vulto de um ser completa.
É, aprender é a solução. Solução ou salvação? Ambas, diria uma pessoa mais atenta. Aprender é solução quando é preciso internalizar algo para que se possa atingir um ponto superior como, por exemplo, aprendemos a caminhar porque queríamos integrar o mundo que se desenvolvia acima de nós. A solução residia em aprender a equilibrar o corpo, frágil haste, sobre duas pernas e ainda o movimentar para desfrutar o novo que estava sendo descoberto e para fazer dele um espaço de convivência.
Aprender é salvação quando existe a necessidade de encontrar um novo caminho para se chegar ao local desejado; quando o já sabido não é suficiente para resolver a questão e então, passa a vigorar a obrigatoriedade de um novo saber, de uma significativa aprendizagem. Exemplos de aprendizagem-salvação existem aos montes, cito um apenas que creio ser bem relevante. Em todo universo existe a língua falada, mais fácil de ser aprendida e a língua escrita, objeto de mais complicada aprendizagem. Para fazer parte do mundo da língua escrita, a salvação está em aprender aquele código que Dara acesso a qualquer informação exigida. Perante o não saber ler reside um problema que impulsiona a um caminho, o aprender e, perante o aprender está a salvação: a decodificação do mundo escrito a fim de torná-lo próximo e, pela proximidade interagir com ele.
A aprendizagem está sempre pedindo novos ares para despontar seus brotos e embelezar o jardim da existência. Tudo é questão de aprender. Aprende-se a comer para viver; vive-se para aprender a ser melhor. Melhor filho, melhor irmão, melhor amigo, melhor profissional, enfim, ser melhor para melhorar o mundo que gira ao nosso redor.
Quando damos os primeiros passos? É difícil lembrar como foi o começo da caminhada. Agora observe uma criança iniciando seu processo de caminhar. Logo trará em mente lembranças que o corpo tem guardadas e que são manifestações apenas sentidas, impossíveis de serem traduzidas pela fala., mas que no entanto revelam o quanto avançamos desde o nosso início.
Aprender a caminhar sempre. A primeira caminhada que aprendemos foi a de locomover a parte física, pôr em movimento a massa que constitui o nosso corpo e as demais caminhadas são aprendidas conforme a vida exigir.
Os primeiros passos foram e são cambaleantes. O mundo se descortina à frente e o desejo de adentrar por ele pede novos e sucessivos passos. Nós, como meros aprendizes conseguimos entender que os passos em seqüência constituem uma caminhada e que nela há frutos para serem colhidos; frutos, sabores, brisas, saltos e quedas, galhos e espinhos, folhas e altura e tudo depende do passo, do prodigioso aprender, daquela coisa, daquela necessidade, daquela ânsia por saber, entender e viver.
Aprende-se a caminhar na família; ambiente que amortece as quedas. Aprende-se a caminhar na escola; ambiente social que abre novos caminhos. Aprende-se a caminhar na amizade; ambiente que cativa e acolhe. Aprende-se a caminhar no amor; ambiente que aprisiona e liberta.
Aprender todos fazem; bem ou mal, certo ou errado, todos aprendem, agora ensinar já recai sobre outro ângulo. Se levarmos em conta a constituição da palavra em latim, veremos que ensinar, em poucas palavras, quer dizer marcar com um sinal. Pois é, o nosso aprender então, pode ser entendido como a internalização de sinais e o ensinar como uma forma de demarcar comportamentos, atitudes e ações.
Uma pessoa pessimista se contentaria com isso apenas, mas como o dia tem a noite para se descansar sob as brilhosas pupilas das estrelas e que para renascer existe a aurora com toda sua luz e magia, eu fico com o lado otimista. Fico com a aprender para se crescer e com o ensinar para saber. Se é necessário saber e, se o saber vem do ensinar e se este deixa sinais e marcas, que venham elas, pois tão triste seria não ter nenhuma cicatriz.
Digo que triste seria não ter cicatriz porque quantas marcas da infância nós não carregamos? Joelhos marcados, cotovelos esfolados, unhas quebradas... marcas... cicatrizes, e dessas cicatrizes quantas recordações boas, quantos detalhes elas nos contam, quanto aprender está gravado nelas. Diria eu que as cicatrizes são as marcas boas das aprendizagens passadas, são nosso álbum ambulante que num simples sinal tem a amplitude de um viver.
O ensinar, então, repousa sobre dois pólos: o marcar e o aprender; a solução e a salvação, e os ensinantes têm a liberdade para percorrer esse caminho entre um e outro pólo e mesclar a aprendizagem para que ela deixe cicatrizes boas, para que fique a solução a serviço da salvação e para que o aprender seja um ato de semear. Semear coisas iguais em solos diferentes para colher a diversidade e caminhar de mãos dadas pelos caminhos que o aprender constrói.
Ensinar parece tarefa de professor. Professor lembra sala de aula, que lembra alunos enfileirados e quietos, quietos para aprender aquilo que será “professorado” lá na frente. Olhos, imaginação, movimento, fala... não! Silêncio! Apenas orelhas bem limpas e abertas para que tudo entre. Seres mumificados e reduzidos a depósito de informações. Seres castrados para que entendam que existem limites e que fala apenas quem sabe.
Atitude ignorante, não é? Mas era e ainda é assim em milhares de escolas onde o aluno é visto como ferramenta de trabalho e que só deve ser usado seguindo o manual de instruções, começando sempre pelo número um.
Deveria existir um “desmanchador” de professores e um “fazedor” de educadores, pois educador sim, sabe ensinar e aprender com seus alunos. Sabe que o ensinante conhece um mundo e que os ensinados trazem em si conhecimento de outros maravilhosos mundos que se compartilhados farão da escola um novo ambiente, um novo local e quem sabe não se fará necessário nem mais chamar de escola, mas sim de “estômago da vida”. Sabe por quê? Porque é no estômago que reside o poder de trabalhar os alimentos e partilhar com o organismo o que é essencial para a vida, e a escola sendo o “estômago da vida” trabalharia em prol do ser, fornecendo saberes necessários, prazerosos e, com certeza, a má digestão dos conteúdos acharia na flora intestinal o seu maior inimigo e o educador poderá, neste dia, saborear a educação como prato de sobremesa do almoço gostoso e demorado de domingo. Pensemos nisso!
Analena