Ah! Se não fosse o Wanderley


Na fila do ônibus duas mulheres, ainda moças, conversavam solenemente. A bem da verdade uma falava e a outra ouvia, impassível, sem pronunciar opinião.

“-Pois é, Gorete, sempre digo: minha ruína foi dar ouvidos ao Wanderlei. Quando a gente se conheceu eu era tão feliz! Trabalhava lá no correio, tinha bom salário. Ele vivia aos meus pés. Ciumento! Naquela época ninguém era mais linda do que eu.”

Fez uma pausa, cruzou os braços sobre a barriga arredondada, bolsa à tiracolo e sacola plástica na mão. Cara de infeliz. Olhou a moça que atravessava a rua aos beijos com o namorado e fez um muxoxo de pouco caso.

Deu um puxão na mão da criança, pulando feliz ao seu lado a cantarolar música por ela mesma inventada:
“-Aquieta menina, é boba? Não pode parar de pular? Tem diabo no corpo?”
A criança se recolhe tímida. Alegria bateu asas, se escondeu bem longe.

A mulher continua:
“-Então, Gorete, até o maldito vício de fumar. Peguei por quê? Por causa do Wanderley, pra fazer companhia a ele, ser parceira em tudo, no futebol que detesto, na cerveja e... outras coisas mais. Com o tempo o danado do Wanderley parou de fumar, mas aí, já era tarde. Agora, cada vez que acendo um cigarro, começa a discussão!”

Gorete concordava com a cabeça e com o olhar; solidarizando-se com tanta injustiça, correndo assim, solta pelo mundo, sem ninguém poder fazer nada.

“-Tão magrinha eu era. Você lembra Gorete? Essa mania de agradar ao Wanderley acabou comigo. Dei de anotar toda receita apresentada na televisão e se há uma coisa que faço bem é cozinhar. Aí o Wanderley chega tarde em casa. Fico esperando pra fazer companhia, janto quando ele chega, mesmo tendo jantado com as crianças antes da novela. Eu falo pra ele chegar mais cedo, mas nada, não dá nem ouvidos. Ontem fui me pesar e levei o maior susto. Engordei dezoito quilos em dez anos.” Que vida...

“-Gorete, estive pensando! Sabe o que está acabando com o meu casamento, com a minha vida, mesmo? Não são essas coisinhas, não. Nem cigarro, nem gordura, nem mau humor, o meu e o do Wanderley, que cá pra nós parece a própria reencarnação do Demo, quando chega a casa, à noite. O problema está na ROTINA, minha filha.”

A mulher sussurra a palavra rotina, vagarosamente, olhando dos lados, com medo. Como se a palavra pudesse ouvir a crítica, dirigida a ela e se vingar.

“-Não é fácil. Todo dia a mesma coisa. A mesmice mata qualquer casamento. Se a gente fosse rica, aí a rotina não ia entrando assim na vida da gente, invadindo cada cantinho da existência e tomando conta de tudo, deixando a gente fraca, sem vontade, sem encontrar graça em nada. Claro só pode ser isso! Se eu fosse rica, Gorete, tudo seria diferente.”

Nesse momento deu outro puxão na mão da criança, acompanhado de um cocuruto:

“-Pára de olhar pra cima, tá vendo o quê? O periquito verde?”

“_Só queria ver as formas das nuvens, olha lá mãe, não parece um elefante?”

A mulher levanta os olhos, como se pedindo clemência a Deus e solta um suspiro cheio de enfado e aborrecimento.

“-E, além de tudo Gorete, essas crianças me deixam louca! Essa aqui vive no mundo da lua, olhando florzinha, passarinho, borboletinha, não tem o mínimo de imaginação, não vai dar pra nada na vida. Ah! Se não fosse o Wanderley!”

“-Olha lá, Gorete, o nosso ônibus”. E puxando a menina pela mão, diz, rispidamente:
“-Anda logo menina, mole”.
Célia R. Marinangelo