Capítulo 13

HAITI 2006

O Haiti tornou-se independente através de uma revolta de escravos de origem africana. Uma pequena elite mestiça tem sido detentora do poder político, que utilizou ao longo do tempo para tornar-se dominante economicamente. A massa da população, negra, viveu quase ininterruptamente numa miséria extrema e sujeita à constante repressão, quando um padre de nome Aristides foi eleito presidente os problemas só aumentaram, pois o governo Bush não era simpático á ele.

Em 2004, um homem chamado Louis Chamblain, aliado ao general Cedras, retornou do exílio com armas e mercenários e tomou o norte do país, muitas pessoas morrem, ficam feridas ou tiveram que fugir de suas casas. Caos!

O dia estava ensolarado no aeroporto de Porto Príncipe, capital do Haiti. Argentina, Benin, Bolívia, Brasil, Canadá, Chade, Chile, Croácia, França, Jordânia, Paraguai, Peru, Portugal, Turquia, Uruguai e até Nepal mobilizaram-se em enviar tropas de paz para interferir na guerra civil que vinha devastando a população de algumas cidades.

O batalhão onde Denis fora designado estava instalado em um acampamento improvisado no galpão do que parecia ser um super-mercado, era próximo ao aeroporto de Porto príncipe, que estava sendo utilizado para receber mais soldados que chegavam ao país.

As tendas foram levantadas formando um verdadeiro QG, homens de capacete azul claro andavam sempre com os FAL á mão, porém sempre travada para evitar acidentes, essa era a recomendação do comandante, o homem que não tivesse coma arma travada seria punido.

- Puta que o pariu – disse um cabo para Muller – o inferno é aqui do lado.

O sargento olhou para ele, com a mesma cara fechada de sempre.

- É porque ta muito quente, sargento. – disse o cabo tentando explicar seu sorriso – é uma piada!

Denis não respondeu, apenas limitou-se á um resmungo. Não havia motivos para piadas, pensou ele, estavam em um país que não era o dele, lutando uma guerra que não era sua, mas mesmo assim, ele estava lá por vontade própria, ninguém havia obrigado-o á se alistar, exceto sua consciência de que o que estava fazendo era o certo, de que se os políticos e aqueles soldados e mercenários quisessem se matar, ele não estava nem aí, mas a população inocente não poderia pagar as conseqüências.

- Você não está aqui para piadas, cabo. – disse baixo, mas impondo sua moral.

- Ãnnn – pensou por um segundo – desculpe sargento, não irá acontecer de novo! – bateu uma continência e saiu, deixando o sargento com seus pensamentos.

A janta foi servida ás sete horas, logo após todos os homens serem vacinados contra a malária, Denis não precisou ser picado, pois há pouco menos de um ano ele saíra da Amazônia. A comida daquela noite fora a mesma que vinha sendo servida desde que a primeira tropa brasileira pisou no Haiti: feijão, macarrão, carne picada e arroz, a água vinha sendo enviada do Brasil, pois a água local não era recomendada. Nada de suco no Haiti, determinou o comandante. A maioria dos soldados ficou triste coma notícia ao chegar no refeitório improvisado, que nada mais era do que um espaço no galpão onde puseram tábuas compridas formando uma espécie de mesão.

Todos os soldados comiam no chão ou em bancos improvisados, essa era a primeira noite deles ali e não havia tempo para construírem cadeiras, mesas para jogar cartas e outras coisas que passariam o tempo. O que tudo indicava é que na maior parte dos dias tudo era monótono.

Um soldado sentou ao lado de Denis com seu prato entre as pernas e postou-se a comer e a falar, ele tinha o corpo magro e era alto, na verdade não era alto, mas a magreza dava a impressão dele ser maior. A cabeça raspada emagrecia mais ainda o garoto, aparentava ter uns dezesseis anos, mas devia ter dezoito, pois senão, não estaria ali.

Ele olhou para a manga direita de Denis e arregalou os olhos.

- Nossa! – exclamou quase se engasgando com um pedaço de macarrão – você é CIGS, sargento!

Denis limitou-se á olha-lo e depois se concentrou no seu prato.

- Você sabe ler. – exclamou indiferente. O tempo lhe havia ensinado que vangloriar-se para subalternos era ridículo, senão uma infantil tentativa de humilhá-lo e ele não gostava de rebaixar seus subalternos, um sargento não é nada se não tiver o respeito de seus soldados.

- Eu soube que é muito difícil de completá-lo, na verdade não é qualquer um que pode fazê-lo, não é?

- Você está certo. – respondeu Muller, tentaria ser mais amigável com o garoto. Ele era muito corajoso de alistar-se tão jovem, qualquer um estaria apavorado com a expectativa de entrar em combate, levar tiros, ser mutilado. Qualquer um com dezoito anos estaria apavorado, menos Denis Muller que há muito tempo aprendera com as dificuldades da vida que ela era a coisa mais frágil que o ser humano possuía.

- Um dia espero conseguir fazer! – afirmou o garoto. Denis olhou na direção do soldado, mais especificamente para sua medalha de identificação, pegou em suas mãos.

- Prove seu valor aqui, soldado Viana, e quando se tornar sargento eu lhe dou uma indicação. – disse arrancando um sorriso do soldado.

- O senhor pode me chamar de Paulo Victor se preferir, sargento. – disse ele.

- Eu não faço intimidades com quem não é cursado – disse Denis. Cursado era o termo utilizado para quem fazia o CIGS, Denis apenas confiava nele mesmo, nos cursados e na selva, por isso, não queria saber de intimidades com quem não estava em seu círculo de confiança.

- Entendo, sargento – Paulo Victor havia terminado a sua janta e levantou-se – Com licença senhor.

Disse por fim, Denis fez um “sim” com a cabeça e o soldado saiu, não triste nem magoado, o sargento, muitos haviam lhe dito era frio e calculista, não fazia amizades facilmente, mas mantinha as que tinha até a morte, para Denis, sua palavra valia mais do que sua assinatura ou qualquer quantia em dinheiro e isso era sabido por todos dentro da tropa, vários oficiais estavam querendo indicar o sargento para o curso de Comandos após sua volta do Haiti, pois Denis vivia apenas para o exército, não tinha casa, morava dentro do quartel, não tinha amigos fora, enquanto todos estavam gastando seus dias de folga em mulheres, o sargento estava atirando com todo o tipo de arma, desde pistolas até metralhadoras montadas em tripé. Enquanto a maioria deles ia jogar futebol na chuva, o sargento treinava combate desarmado, com a água da chuva caindo sobre sua cabeça e sem utilizar nenhuma capa para sua proteção: “O corpo é um templo!” Afirmava ele quando dava aula aos soldados da academia, “as pessoas não respeitam seu próprio templo” “Força, Honra e Coração! Nada pode ser perfeito se você não tiver os três: a força é necessária, pois se não tivermos força, não atingiremos com a potência necessária o objetivo! A honra é importante porque dá um sentido a tudo o que fazemos, como uma bússola guia um barco em meio a uma tempestade, e acreditem, no mundo de hoje, vivemos numa tempestade de desonra, covardia e vergonha! E o coração é o mais importante, porque nos faz continuar! Não desistir nunca do nosso objetivo e principalmente, porque nos diz se o porque lutamos é certo ou não!”

- Coração – repetiu ele e olhou para seu interior – que eu nunca perca o meu coração!

Denis acordou suado do seu pesadelo.

- Meu Deus, o que eu faço é certo? – pensou ele – ou eu perdi o meu coração?

Ele não sabia, mas amanhã, mais alguém iria morrer! Ele iria honrar mais alguém!

Ace
Enviado por Ace em 15/04/2007
Código do texto: T450706