PUM
 
Treze de agosto. Não sou supersticioso e para mim é um dia como os outros. Minha tia nasceu em treze de agosto de 1913. Festejou seus noventa e nove anos como a remanescente de uma família de dezoito filhos. Portanto, dia de sorte, para ela.

Na frente da televisão, desatento, coçando, sem qualquer interesse ao que se passava na telinha, pensamento na lua, quando veio o convite para ir ao shopping. De pronto, aceitei. Ainda não conhecia o Big Cristal.  

O movimento era pequeno. Colocamos o bebê no carrinho e demos algumas voltas, apreciando uma coisa e outra, olhando os preços, fazendo comparações. Nos eletrodomésticos, meu filho interessou-se por uma torradeira. Olhamos modelos, cor, e a decisão foi por uma branca.

Dali, passamos no setor dos frios para a compra do necessário; era chegar e testar a nova aquisição. Depois, o pão de sanduíche, umas frutas, iogurte, uma toalha para o bebê. Fizemos tudo como um passeio, sem presa, e nos dirigimos aos caixas.

– Trinta e dois, disse a funcionária.

Por Deus, que número maldito. Era uma podridão só. Tampei o nariz e perguntei, para escândalo do filho e da nora:

– Quem cagou no mundo? 

Uns riram, outros olharam pra um, um olhava pros outros. Fedor infernal. Passou uma jovem esguia, no patim, gritando:

– Um perfume, por favor.

E muitas risadas.

– Cara, quem comeu carniça? - perguntei.

Meu filho apertou-me o braço, num pedido mudo de silêncio. Mas eu tinha vontade de gritar. O diabo é que não funcionou um código de barra e a caixa, nervosa, precisou digitá-lo duas vezes.

– Puta que pariu, meu. Nunca mais venho aqui. - lasquei.

Felizmente, conseguimos sair. Fomos ao guichê, obter a nota fiscal, para a garantia torradeira. Enquanto aguardava, sentado numa poltrona, sobre a faixa “é proibido sentar”, lembrei-me de um fato distante.

Minha mãe contava que na casa de seus pais era de muito respeito. Bastava o papai Júlio olhar, e as crianças se comportavam. Ninguém podia peidar na frente dos genitores. Tremenda falta de educação. Um dia, quando com quatro anos, ela soltou um pum. Olhou para o pai, apavorada, mas ele deu um sorriso. Respirou fundo e tratou de ir para longe. Passado um tempo, estando sozinha com o pai, resolveu soltar mais um.

– Vou dar um peidinho pro papai rir.

Disse e soltou. Levou uma surra que até morrer, aos oitenta e seis anos, não havia esquecido e contava rindo da peraltice e do resultado.

Hora da saída. Escada rolante, estacionamento, rua, em silêncio. Primeiro, não me dei conta, visto que meus pensamentos vagabundeavam. Depois, já próximo de casa, me caiu a ficha. Ninguém falava.

– O que há, ficaram mudos?

– Que fiasco, pai. Precisava fazer aquilo?

– Aquilo o quê? - perguntei, admirado.

– Peidar o meio do povo. Pô, que feio, e ainda fazer estardalhaço. Todos viram quem foi. Quase morri de vergonha.

– Quem foi o quê? - interroguei quase num balbucio, sentindo um vermelhão cobrir-me o rosto.

– Que peidou, ora bolas.

Caí numa estrondosa gargalhada, assustando o bebê.

– Olhem minhas mãos. Nem estão amarelas.



 
MADAGLOR DE OLIVEIRA
Enviado por MADAGLOR DE OLIVEIRA em 30/09/2013
Reeditado em 15/10/2013
Código do texto: T4505467
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