Minha bolsa alcânave


Não me recordo se já contei neste Galho de Arruda por que troquei minha bolsa alcânave por uma mochila de dez tostões, comprada um dia desses no camelô de miudezas mais antigo de Marechal Hermes. E com direito a brinde: um guarda-chuva de fabricação chinesa que, pelo jeitão dele, deve durar apenas até a primeira rajada de vento mais forte. (Querem saber o preço só do guarda-chuva? Um real.)

Falei em tostões, mas o fato é que paguei cinco reais pela mochila, uma verdadeira fortuna para o cronista, atualmente devoto incondicional de Santa Edwiges.

O problema com minha bolsa alcânave é o pouco espaço que ela tem para livros. E não dá mais para sair de casa sem o meu biodiesel livresco, no encalço de bons ouvintes, para divulgar os nossos melhores autores e fazer a apologia do hábito de ler. Devem lembrar que em "Sebo de boteco", amparado em pesquisa publicada na internet, mencionei que o brasileiro lê menos de dois livros por ano, um absurdo. Como pregar com exemplo, exigência vieirista e nietzschiana, sem deixar que as pessoas me vejam publicamente, aqui e ali, encornado nas páginas de um bom livro, ou folheando três ou quatro ao mesmo tempo para chamar a atenção?

Portanto, como anunciam os alto-falantes de estádios durante as partidas de futebol, sai a bolsa alcânave e entra a mochila de dez tostões. A primeira continua sendo o grande barato que sempre foi, mas para carregar livros não serve.

No entanto não é justo que vá para o fundo do guarda-roupa sem ganhar uma crônica de presente. Devo-lhe muitos momentos felizes, sobretudo quando ainda morava no insulano Jardim Carioca e freqüentava o Princesinha da Ilha, um bar-restaurante à beira do calçadão do Cacuia, onde só passa mulher bonita. Quantas não conheci por causa de minha bolsa alcânave... Eu ficava invariavelmente à porta do estabelecimento, curtindo o meu caldo de cana e a grande movimentação do pedaço, e as belezuras sempre paravam, curiosas, tagarelas, querendo botar a mão (na bolsa, na bolsa...), fazendo mil comentários entre si. Ou tomavam coragem e enchiam o cronista de perguntas: Onde comprou? Foi caro? Tinha muitas? Eles fazem em quantas vezes? Tinha também sem ser a tiracolo? Não é apologia da maconha? É coisa do Fernando Gabeira? Dá cadeia? Dá morte?

Morte eu sei que não dá, mas matei muito homem de inveja com aquele mulherio todo à minha volta. Confesso humildemente que não comi ninguém, pelo menos não por causa da bolsa. Os grupos de mulheres que paravam para examinar minha bolsa alcânave formavam-se e desfaziam rapidamente, como se eu estivesse atrás de um tabuleiro fazendo demonstração de artigos femininos. Como paquerar todos elas? No máximo, troca de e-mails e números de telefone, mas nunca de endereços, e muito menos marcação de encontros. Está-se vendo que não queriam nada com o dono da bolsa. Fosse aquele um tempo de vacas magras, como agora, e teria levantado uma nota de respeito leiloando a coitada no meio daquela turma frenética.

Águas passadas.

Vá para o fundo do guarda-roupa, querida bolsa. Aqui fica a crônica, e todo o carinho que minhas leitoras, tenho certeza, sentirão por você. 


[9.12.2006]