QUERIA SER FIO MARAVILHA (EC)
Fio Maravilha, gosto tanto de você!...
Quando assistia ao treino dos jovens, no campo ralinho de grama da cidade, martelava o refrão de antigos tempos.
Nos tempos de boleiro não havia gatilhos entre vencedores e vencidos.
Os tiros eram apenas de meta e de canto.
Quantas alegrias e tristezas tivera e proporcionara quando corria na parte interna do gradil que separa um sonho de tantos em dois tempos de quarenta de cinco.
No campo e na vida o relógio não para. Os seus, iguais a todos, passaram quase sem perceber.
Tantas vitórias! Muitas derrotas.
A vida? Continuou um a um.
Empatada e empacada.
Para quem não o vira em campo ou mais fracos da memória, o velho era um zero a zero.
Um inútil que nas horas sem treino, passava o tempo apoiado no balcão, entre uma cerveja e outra, atrapalhando a entrada nos bares.
Quantos passes na direção certa.
Hoje na contramão da vida.
O olhar distante via a juventude passar apressada.
A caminho da escola. Do trabalho. Das drogas que ele escapara.
Qualquer jogo ou treino de qualquer equipe, o velho estava lá no alambrado, torcendo e sonhando.
Sorria só! Feliz na saudade...
O velho era bom! Comentava um e outro desocupado sentado na arquibancada de madeira.
Quantas corridas, chutes, passes.
Alguns poucos gols.
Contusões e sacrifícios.
Cansado, ao peso do tempo, foi parando... parando... parando...
Inicialmente o banco de reservas. Depois a peregrinação por clubes de menor expressão, até ser condenado a ficar apenas atrás do alambrado.
Na torcida.
Como tanto fizera na infância, quando olhinhos ansiosos prometiam a fama ao corpo que crescia.
Um bate-lhe ao ombro trazendo-lhe à realidade.
Num olhar rápido, ainda pareceu-lhe ver os dentes proeminentes e tortos.
Abraçando-o e agradecendo-o.
Engano!
Mais um consumidor pedindo licença para entrar no bar.
Bem poderia ter sido.
Não fosse o autor, pelo menos tivesse dado o passe.
Queria ter jogado no Flamengo. Seu time de coração lá na distante Cidade Maravilhosa do “Sul Maravilha”.
Quem sabe não teria a glória de um momento que o fizesse eterno como Fio Maravilha.
Tivera bola para isso.
Quantos pernas-de-pau com melhor sorte.
Fosse assim, hoje, ao invés de o empurrarem para que saísse da frente, pedir-lhe-iam um autógrafo.
Mas, não...
Queria tanto que lhe tivessem feito um verso.
Às vezes, deram-lhe algumas linhas, sem destaque, em jornais da região.
Jamais manchete.
Restava-lhe, a provar o passado, uma e outra foto em alguma gaveta.
Memórias de uma linha do tempo já desenrolada quase totalmente.
No fundo, o velho, somente, esperava terminasse logo seu jogo.
Angustiado, como a torcida deseja tantas vezes o fim do segundo tempo.
Que a vida não tem.
-------------------------------------------------------------
Este texto faz parte do Exercício Criativo - Na Torcida
Saiba mais, conheça os outros textos:
http://encantodasletras.50webs.com/natorcida.htm