Crônicas da minha vida: "O Coronel"
Era uma manhã ensolarada. A chuva havia dado uma trégua ao Município de Viamão, no Estado do Rio Grande do Sul.
A 1º Sargento, Carolina, mirou o belo céu azul, e constatou que era dia propício, para atingir as cotas de veículos a serem abordados, as quais seus superiores lhe incumbiram.
Assumiu o serviço, como de costume, no Batalhão de Polícia Militar, da cidade. Retirou seu material na quartelaria, entre os quais, arma, munição, bastão, algema, colete à prova de balas, e todo o aparato peculiar e atinente ao trabalho que desempenhava. Carolina trabalha na viatura, no policiamento ostensivo.
Carolina era mulher decidida e extremamente dedicada ao serviço. Fazia tudo com zelo, mas por demais, perfeccionista.
Reuniu seu efetivo no saguão da instituição. Cumprimentou a todos, apurou faltas e atrasos, o que não ocorrera naquele dia.
Em seguida, comunicou a todos, o plano de serviço do dia, informando da barreira que seria executada para alcançarem as cotas de veículos abordados no mês, eis que a chuva então deu uma trégua.
O efetivo, como de costume, não ficou contente com as tais cotas, mas como Carolina participava integralmente da execução dos trabalhos, juntamente com os subordinados, foi o que acalmou os ânimos.
Dados os recados, e devidas orientações a todos, Carolina assumiu sua viatura e informou à Sala de Operações (Central de rádio e telefone do Batalhão), que deslocaria para execução da Barreira na Avenida Bérico José Bernardes, no Bairro São Tomé.
Carolina precisou conduzir as equipes em duas viagens ao local da barreira, pois só havia uma viatura, e naquele dia contavam com sete soldados.
Ao se organizarem no local, após disporem as devidas sinalizações através de cones, deram início à tão aguardada barreira daquele dia.
No meio policial, existiam alguns recursos para se trabalhar, digamos assim, menos. Como por exemplo, escolher um local que não passassem tantos carros com o imposto atrasado. Mas Carolina era mulher correta, fazia tudo como se a vigiassem, e jamais levaria em conta tal possibilidade.
E a Avenida Bérico José Bernardes era, por vezes, escolhida por motoristas infratores, bem como por assaltantes, por ter muitas opções de destino, bifurcações e desvios.
Logo de início, na abordagem dos veículos, e averiguação dos documentos, já começaram as irregularidades e infrações, e o guincho não demorou a ser solicitado, por IPVA atrasado.
Após o recolhimento de dois veículos, a barreira já se mostrava bem tumultuada, com diversos veículos sendo abordados, notificações sendo confeccionadas e condutores insatisfeitos. Momento em que aproximou-se da Sargento Carolina, uma das soldados, informando que um dos condutores gostaria de lhe falar, pois ela estava fazendo o recolhimento de seu Jeep, por imposto em atraso.
O condutor, bem alterado, nem esperou a soldado relatar a situação à superiora hierárquica, e já interveio, alegando ser filho de um Coronel e que ele estava no telefone querendo falar.
Pela atitude e exaltação do jovem, a sargento não lhe deu muita conversa, apenas fixou os olhos no celular do rapaz e disse que não falava com ninguém por telefone.
E dirigiu a palavra a soldado, questionando qual a irregularidade e qual o procedimento que estava sendo adotado. O que foi prontamente explicado pela soldado, relatando que se tratava de veículo com documentação vencida, que já estava confeccionando a notificação e já havia solicitado o guincho para recolhimento do mesmo. Carolina, apenas se restringiu a dizer ok.
O condutor do Jeep, não se deu por satisfeito e perguntou a Carolina, se o seu pai, o Coronel Heinrich comparecesse ao local da infração, se ela conversaria com ele. Carolina disse que não tinha problema nenhum, desde que ele tivesse algo haver, e o rapaz respondeu que o Jeep pertencia a Heinrich. A sargento disse, que nesse caso até poderia conversar com o Coronel.
Para surpresa de Carolina, o Coronel Heinrich, em alguns minutos, se fez presente no local da barreira. Carolina estava administrando os desdobramentos que sucederam a seguir.
Heinrich, fardado a rigor, com uniforme de passeio e engomado, se aproximou lentamente de Carolina, que no momento notificava outro veículo. Como Heinrich era da mesma instituição que a Sargento, Carolina logo tratou de prestar continência ao Coronel e apresentar o serviço sem alterações, como determinado em regulamentos internos da corporação.
Heinrich, mal esperou Carolina terminar de falar e já entoou com voz imponente: - Sem alterações, Sargento?
Carolina, não se intimidou com a postura e o comentário do Coronel.
Heinrich, por sua vez, perguntou se nada podia ser feito em relação ao recolhimento do Jeep e nisto, outro soldado trouxe ao conhecimento que a família de um dos outros veículos que estava sendo recolhido, estava em deslocamento para o hospital, pois o filho do casal estava com grave problema de saúde.
Sargento Carolina estava entre a cruz e a espada.
Pediu ao soldado que trouxesse a família até a viatura, que ela mesma trataria de conduzi-los ao hospital.
E na seqüência, respondeu que nada poderia ser feito quanto ao Jeep, eis que já havia sido solicitado o guincho. O coronel olhou fixamente Carolina, dos pés à cabeça, e disse que trabalhava na Diretoria do Quartel General da corporação.
A graduada se manteve firme e disse ficar feliz pelo Oficial, que pediu para falar com o superior dela. Carolina apenas informou o nome do Tenente responsável pelo seu turno de serviço, e disse que o Tenente era apenas plantonista, estava de sobre-aviso, e não se faria presente no ocorrido, apenas resolvia as situações por telefone.
Sem saber o desfecho do ocorrido, Carolina, teve de ausentar-se da barreira e conduzir a família com a criança doente até o hospital.
Porém, a sargento sabia que o resultado do recolhimento do Jeep, não seria dos melhores, afinal, era costume na instituição, a corda arrebentar no mais fraco, e tratou logo de deslocar ao seu batalhão e pedir uma ligação ao Coronel que a comandava.
Logo recebeu instruções para inserir a notificação no sistema com urgência, para que no momento que Heinrich, solicitasse providências para a liberação do veículo, seu comandante direto pudesse dizer que já não era possível, pois a notificação já estaria inserida no sistema operacional. Em suma, de forma ou de outra, quem passaria por ruim, seria Carolina.
Era costume na Polícia Militar, quando um subordinado fizesse algo em desacordo com as “políticas internas” , ser prontamente transferido, para o local mais inacessível da instituição. E Carolina, temendo pelo pior, já estava até cogitando a hipótese de chamar a imprensa local, se fosse transferida, por tamanha injustiça, afinal, ela pensava que a lei que valia para um, devia valer para todos, independente de ser militar de sua corporação.
Após o final do turno de serviço, todos vieram parabenizar a Sargento Carolina pela postura, firmeza e determinação no atendimento dos ocorridos. Inclusive, o Capitão da seção de investigação, veio parabenizá-la, dizendo que não seria a primeira vez que o tal Coronel tentava dar um “cateirasso” (expressão usada internamente, para dizer quando um policial queria obter vantagem, por usar a farda, ou seja, por pertencer à corporação).
A Sargento Carolina, não foi transferida , para sua felicidade. Mas dias depois, ao participar de um curso interno de reciclagem da polícia militar, soube que seu nome era conhecido entre todos os tenentes, que passaram a odiá-la, pois foi baixada uma determinação do Quartel General da Polícia Militar, que os Tenentes, não poderiam mais cumprir sobre-aviso, e nos seus serviços de plantão deveriam cumprir seus horários no policiamento ostensivo, como toda tropa.