Um rio com jacarés

A arquiteta Tayane Araújo me mostra os seus projetos – tenho o privilégio de conhecer de antemão algumas das bonitas casas que estão embelezando o sudoeste do Paraná. Normalmente tenho a mesma reclamação a fazer: sinto falta de um telhado. E talvez não seja exatamente do telhado que eu sinta falta, mas de um modelo de casa tradicional, com cara de casa de antigamente – não lido bem com a arquitetura moderna. Faço questão também do gramadão, onde se possa jogar bola e, eventualmente, quebrar algum vidro. Acho que enxergo a casa como... - Um refúgio, sugere a arquiteta. Concordo: enxergo a casa como um refúgio. Mas não da mesma maneira que temos nos refugiado hoje em dia, reféns que somos da nossa falta de segurança.

Perto de onde eu moro, muitas casas não passam de caixas de fósforo, cercadas por lanças pontiagudas em cima de muros normalmente tão altos que nem mesmo o morador é capaz de ver o que acontece do lado de fora. Tudo isso numa arquitetura torpe que seria suficiente para fazer o Niemeyer desvincular o nome dele de Brasília. Mas como ainda não é possível fazer todas as coisas dentro de casa, de vez em quando os refugiados são obrigados a esticar o pescoço para fora, certificar-se de que não há nenhum tipo suspeito nas proximidades, e então rapidamente deslizar o corpo na direção da calçada, ao mesmo tempo em que dão duas voltas completas na chave antes de guardá-la apressadamente. Afinal, acompanhamos o noticiário: nunca se sabe o que pode acontecer.

Estou vendo o dia em que os arquitetos precisarão incluir em seus projetos um rio com jacarés e uma ponte levadiça entre o portão e a casa. A isso se soma a fúria imobiliária que praticamente zerou o número de terrenos baldios em uma cidade, de maneira que uma criança não tem mesmo muito motivo para sair de casa. E tão preocupados andamos com a violência dos outros que nos descuidamos daquela outra – a que acontece da porta pra dentro: a que acontece da cabeça pra dentro.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 28/09/2013
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