Meu mundo e nada mais
“Quando eu fui ferido, vi tudo mudar das verdades que eu sabia. Só sobraram restos que eu não esqueci, toda aquela paz que eu tinha.” Impressionante como alguns compositores têm a incrível capacidade de captar a essência do momento e decodificar um sentimento em versos e poesias. “Meu mundo e nada mais.” Sinceramente, mesmo que tentasse muito, não poderia encontrar um título mais oportuno para dar nome a esta bela canção. Aprecio atentamente a cada palavra proferida pela música como que buscando saborear uma requintada especiaria. E diante deste exercício da alma, sinto-me conduzido a uma profunda introspecção psicológica, para algum lugar onde, não estranhamente, há apenas eu, o meu mundo e nada mais. Um lugar ao mesmo tempo agradável e inóspito, acolhedor e sombrio, enfim, um lugar onde reina o vazio da solidão e a subjetividade do momento.
Certa vez, enquanto fazia algumas pesquisas para um trabalho da faculdade, me deparei com a obra de um filósofo alemão chamado Martin Heidegger, o qual afirmava em seu livro Ser e Tempo ( 1927) que " cada um de nós nasceu só, vive só e vai morrer só.” Posto de outra forma, a visão de Heidegger repousa na premissa de que o nascimento relega o ser humano à condição de busca de sua própria sorte. A solidão passa, diante desta perspectiva, a se tornar um fato imutável, determinista e constante na vida de todos nós. Muito embora, parte de mim sinta-se bastante confortável em acreditar nesta visão, considero inconcebível a proposição de que o espaço de tempo compreendido entre nosso nascimento e nossa morte constitui-se unicamente de uma vivência solitária cercada por pessoas que igualmente desfrutem deste estado sem contudo, compartilha-lo com os demais.
O homem é um ser social, e como tal considero que é em sociedade que encontra os meios para exercer suas potencialidades. Por outro lado, concordo com o exposto pelo filósofo existencialista francês Jean Paul Sartre, o qual tem em sua frase mais conhecida a expressão máxima de sua obra. “ O Homem é condenado a ser livre.” Tal afirmação implica em dizer que ao homem é facultado tudo menos a capacidade de se isentar da possibilidade de escolher. Ora, fazemos escolhas a todos os momentos e nas mais diversas situações. Desde coisas simples às mais complexas sempre nos guiamos por nossas crenças e optamos por algo. Você até mesmo pode se perguntar: Bom, eu posso decidir não escolher meu curso da faculdade, por exemplo. Nesse caso, eu te diria: a sua não escolha também foi uma escolha. Simples assim, não há como fugir desta realidade.
Penso que devemos sempre buscar nos adaptar ao fato que vivemos em sociedade e que constantemente fazemos escolhas. À mim, isto é tão real quanto o sol que desponta todos os santos dias no fundo do horizonte e que humildemente retira-se para iluminar um novo dia. Entretanto, quando a realidade mostra-se sem este brilho solar, quando, diante das pressões do cotidiano, vivemos passivamente nossas vidas, quando sentimos o tempo escapar de nós, tal qual a areia que insiste em fugir de nossa mão escorrendo por entre os dedos, quando sentimos feridos por dentro, sem nem ao menos saber precisar o porquê, bom, nesse caso meu amigo, diria que inevitavelmente você deve seguir uma viagem. Uma viagem à terra de “ Meu mundo e nada mais” um lugar, onde, por alguns instantes, você poderá embriagar-se pela beleza do momento e contemplar a paisagem que lhe é exposta. Um lugar, o qual à primeira vista, o cenário inóspito pode lhe convidar a reviver tristezas, mas que com a dosagem certa de confiança e sabedoria pode subitamente transformar-se no contrário.
Entendo que o desfrute da solidão assim como qualquer outra atividade ou experiência deve ser algo bem dosado e responsável. Digo “desfrute” porque de fato penso que devemos nos comprazer na solidão. Não me entenda mal, caro leitor, não faço apologia aqui ao individualismo e ao egoísmo, mas sim a uma oportunidade de auto reflexão e auto conhecimento. E justamente neste sentido, é impressionante como a admiração solitária do por do sol ou do entardecer repleto de neblina tem esse poder de nos conduzir a uma introspecção, a qual tanto pode ser agradável ou não, só depende do modo como a encaramos . Em outras palavras, eu defenderia que a solidão também deve ser vista como uma escolha, Sim uma escolha a viajar à terra de “Meu mundo e nada mais.” Um lugar ao mesmo tempo agradável e inóspito, acolhedor e sombrio, enfim, um lugar onde reina o vazio da solidão e a subjetividade do momento.