Geladeira Vazia

Tijolada na cabeça dói. E como! Doem também pisada no pé, dedinho na quina e soco na barriga. Aliás dor de barriga vai além da dor, pois incomoda como o quê. Voadora no peito dói. Tapa na cara, joelhada nos países baixos, cabeçada e telefone sem fio arrancam muita dor de igual maneira. Não me esqueci do escorregão no piso molhado, da unha encravada, do sapato apertado e de corte com faca. Estilingue, bodoque ou funda, objetos e nomes similares para a mesma dor. Montar no touro dói – talvez mais para o touro – e cair do cavalo igualmente.

Poderia passar meu dia imaginando as dores mais inimagináveis, ainda sim os pelos arrepiariam e a garganta ficaria seca só de pensar nos tipos de dores possíveis. Mas e o coração partido, dói? Tem dor na despedida, na saudade de quem parado fica e vê o outro no fim da avenida? A falta de esperança dói, machuca igual ao dedo na quina. A solidão dói na alma tanto quanto a pedrada na testa. Duvida? Se tiver solidão, a pedra eu arrumo... A fome dói com a mesma velocidade que nos consome; agora ver o outro passar fome e não ter o que comer dói mais, eu acredito, que a própria fome. Dói a alma, vem e nos amarra e nos tortura, nos faz assistir a esse cotidiano besta de ter gente que ao invés de brilhar, passa fome sem ter o que comer.

Eu menino tinha aquelas dores de menino, de cair, machucar na rua, apanhar e sofrer as consequências da fase menos ajuizada; as dores de perder os tampões dos dedões, de levar pontos no joelho ou bolada onde pudesse comprometer minha descendência; doía, doía uma dor insuportável: daquela de gritar e espernear, de chorar e sair correndo por aí pedindo que arrancassem ela de mim! Apesar disso tudo passava, e passava relativamente rápido. Era o tempo da anestesia, da massagem, do curativo e do colo da mãe. Mesmo de molho acamado, deitado sobre as peripécias da infância, via-se, eu me lembro bem!, o sorriso e o conforto de ser bem tratado e paparicado.

Porém, tinham aquelas dores, aquelas que além de não poder controlar, anestesia não funcionava, nem massagem e, às vezes, nem o colo da mãe. Como quando meus amigos foram para casa de praia e não me chamaram – me senti rejeitado –, quando ficava carente, ou por pensar ser sempre o patinho feio da história. Ufa! Demoraram ir embora. Mas foram! Tanto passaram que posso fazer aquela piada: “tudo na vida é passageiro, menos o motorista e o cobrador”. Faço e não sinto mais nada. Agora, para uma criança, um adolescente foi difícil. Acredito que amadureci mais rápido, ganhei algumas descrenças na humanidade e infelizmente aprendi a ser mais egoísta (como se egoísmo fosse aprendizado); se não que de outra maneira eu veria as pessoas passando fome e seguiria meu caminho apenas lamentando?

Dizem que existem algumas boas dores, ou dores boas, mas se a malícia me permitir, terei que discordar. Dor é dor; e a não ser que sirva para rimar com amor e nos fazer crescer, não tem lá muita utilidade. Meu amigo biólogo disse mo que é a forma que o cérebro encontra de nos avisar que algo não vai bem. Ah, e que a coceira também é um tipo de dor. E o pesadelo, é a dor do inconsciente? Não sei, sem querer discordar mas já discordado. Por que ao invés de doer, quando algo estivesse fora dos conformes, não piscasse uma luz vermelha, como um vaga-lume, no dedão do pé? Ou soasse um alarme baixinho, recebêssemos um e-mail sem cópia oculta: “Prezado senhor, possível dor de dente, do pré-molar superior, em três dias, se não tratado adequadamente. Att Seu Corpo ”.

Voltando à realidade: da saudade ao cálculo renal, de coração partido à peixeira de baiano, tudo é dor; tudo machuca e alivia quando acaba. Algumas podemos evitar, outras deixam marcas, tantas temos que conviver e a maioria nos deixa uma lição. Os ianques ainda adotam o famoso “No pain no gain”, mas isso já é assunto para um outro dia, já que a cabeça ameaça doer depois de tantas palavras insensatas nesta manhã.

Super Bacana
Enviado por Super Bacana em 28/09/2013
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