Do diálogo celeste
Certa noite, dois velhos espíritos conversavam na sala de estar do céu.
- Se voltasse à terra e pudesse viver novamente sua vida, o que faria? Tentaria corrigir algo?
- Muito provavelmente, não.
- Por quê? Não se arrepende?
- Arrependo-me, sim.
- Ora, mas você está se contradizendo. Se tem tanto arrependimento, por que não mudar o fato?
- Se eu agisse de modo diferente, provavelmente consertaria apenas aquela situação. Mas as causas permaneceriam as mesmas. Muito provavelmente a mesma coisa acontecesse no futuro, repetindo-se outras e outras vezes.
- De fato...
- Então, no fundo, o erro deveria ter acontecido. O que possibilita alguém de encarar suas razões e ações é justamente enfrentar o peso de suas consequências e, por conseguinte, o pesar do arrependimento. É preciso provar o amargor do veneno que se decide beber. Só assim para nunca mais bebê-lo.
- Deve ser por isso que chamam aquele lugar de purgatório.
- Mas há muita beleza neste purgatório. Ela também surge das tragédias. E, convenhamos: a vida é simples e bonita. Difícil é a vivência. O motor que move os homens de carne é fascinante. Tem tanta coisa bonita ali...
- Sim, bons tempos aqueles em que desfrutávamos de um bom café terreno.
- Certamente. Bons tempos...
Ficaram quietos pensando no que acabaram de conversar. Ao longe, dois espíritos crianças caminhavam tranquilamente pela sala, conversando e rindo.
"Esses sempre estiveram no paraíso", pensou consigo um dos velhos espíritos.