Os regionalismos que venceram
Só percebi que havia algo errado quando ela franziu a testa, olhou-me espantada e, ainda tentando entender, conseguiu balbuciar: “Trocar o quê?”. Achando que ela apenas não havia ouvido direito, tratei de repetir: “O foco. Preciso trocar o foco”. Como ela continuasse sem entender, me ocorreu a singular hipótese de que ela não soubesse o que significava foco. Pacientemente, expliquei-lhe então o óbvio: foco era a mesma coisa que lâmpada.
Foi então que me descobri um regionalista, cheio de expressões que, aqui em Brasília, não fazem o menor sentido. Sou uma mistura de expressões alemãs de Santa Catarina com outras de Curitiba. Como explicar aos brasilienses que existe não apenas foco mas também foquinho, que é como chamo as luzinhas de Natal? A própria árvore de Natal pra mim sempre foi pinheirinho – ou tannenbaum. E como chamar estojo de estojo, quando está absolutamente claro que se trata de um penal? Penal, é claro, pois houve um tempo em que se escrevia com penas.
E assim diversas palavras, como o tradicional reco, também chamado zíper – imagino que tenha a ver com o barulho ao abrir: reeeec. Bolinha de gude sempre tem um nome diferente e pra mim era peca. Pipa era pandorga. Tanque de lavar roupa era cocho. Carrapicho era pico-pico. Conjugávamos bastante também o verbo inticar, no sentido de implicar, provocar (ou bulir, para os nordestinos): “Manhê! O Pedrinho fica só me inticando”.
São nomes que todo lugar cria para si. Ou quase todos. São Paulo, por exemplo. Começa que lá não existe carrapicho, imagine pico-pico. Também é o único lugar do Brasil em que bolinha de gude é conhecida como bolinha de gude. Por lá só se empina pipa mesmo, e ninguém intica nem bule ninguém. Eu poderia tomar os paulistas como pouco criativos, se não imaginasse que eles apenas têm os regionalismos que venceram e se tornaram oficiais. Vou nem falar do semáforo ou, pior, do farol, quando todo mundo está vendo muito bem que se trata de um sinaleiro.