Vida: a arte de saber escrever.
De fato, devo admitir que admiro muito o ato de passar longos minutos simplesmente pensando, sentado em uma cadeira velha defronte a uma janela molhada pelos respingos de chuva, comtemplando uma imagem incomum, ou quem sabe observando todo o processo aparentemente banal que envolve um pôr-do-sol. Engraçado como algo que de início pode se apresentar tão trivial e irrelevante pode subitamente se converter no contrário. À mim, as emoções evocadas por este estado de reflexão e toda esta introspecção psicológica é que de fato marcam o momento e contribuem para sua singularidade.
Lembro-me de caminhar sob leves gotas de chuva que pareciam suavemente depositar sobre mim. Era noite, e o céu escuro e nublado parecia contribuir ainda mais para a minha sensação de que estava sozinho e de que os pensamentos produzidos em minha mente eram meu único refúgio. É confortante imaginar que embora o tempo estivesse frio e chuvoso ainda havia um lugar para o qual pudesse recorrer e que sobre ele poderia exercer total controle.
A verdade é que somos escritores de nossas próprias biografias, protagonistas de nossas próprias histórias, quer sejam engraçadas, interessantes ou mesmo enfadonhas não nos resta outra escolha senão a de continuar escrevendo. Diante do futuro incerto sempre nos resta a consolação do passado e a possibilidade do presente. Acredito cegamente que cada ser humano é um mundo em si mesmo. Afinal, quem pode saber quantas lembranças, quantos momentos de tristeza, quantos sentimentos felizes ou depressivos cada um de nós esconde e que podem ser evocados por um palavra, uma música um gesto ? A cada um é facultado escrever, ou melhor, buscar viver como lhe convém, e é justamente ai que mora a diversidade, a pluralidade humana.
Às vezes me pego pensado: Afinal de contas, por que a experiência da depressão e da solidão nos faz apegarmos tão fortemente ao passado ? Talvez simplesmente uma parte de nós seja refém das cicatrizes do tempo ou quem sabe este estado de desolação nos deixe ainda mais vulnerável a nos prendermos a o que fomos e a o que costumávamos fazer. Talvez mesmo, minhas explicações sejam insuficientes e sem sentido algum, afinal, a esta altura da minha crônica, já devia ter ciência que a realidade é sempre mais complexa do que a capacidade humana em abstrai-la. De qualquer modo, é realmente difícil virarmos a página quando o presente se mostra rendido à desesperança e melancolia.
Ouço minhas músicas nostálgicas e continuo caminhando em frente. Um turbilhão de pensamentos, alguns contraditórios e sem sentido, se produz em minha cabeça. É prazeroso e confortante caminhar assim, sabendo que estou exercendo algo tão simples e ao mesmo tempo tão pessoal. Sim, devo começar a aceitar o fato de que muitas das questões que lanço não encontrarão respostas universais e precisas. No final das contas acho que é só a minha própria bolha de pensamentos respondendo minha bolha de pensamentos. Tenho pra mim que a admiração e a reflexão acerca do passado, quando moderado, são muito importantes, pois o pretérito se produz a cada instante que passa, ou seja, ele sempre avança sobre nós.
Creio que na vida, o mais importante é sabermos escrever um ótima autobiografia. E de que é feita uma autobiografia senão de fatos passados ? Sim, Esta biografia deve ser tal que possamos nos orgulhar e passar adiante esta história cheia de nuances, contradições e defeitos, mas que apesar de tudo, serviu para encher de alegria mais um pobre narrador/personagem.
Cheio de devaneios chego em casa, antes porém observo, da calçada da minha residência, a chuva que, sob a luz do poste, agora mostrava-se visível. Curioso ou não, nesse mesmo instante ouço o refrão da música que diz “And when the night is cloudy There is still a light that shines on me. Shine on until tomorrow. Let it be" Neste momento, tive a sensação de que o próprio Paul McCartney conversava comigo. Sorri da feliz coincidência e entrei em casa com a satisfação de que mais um singelo capítulo da minha biografia estava concluído.