Poeira no vento
“I close my eyes only for a moment and the moment has gone.” ( Dust in the Wind/ Kansas ) De fato, devo admitir que para mim é difícil aceitar que o homem perante ao tempo é totalmente insignificante. Seria completamente descabido da minha parte raciocinar que diante de um espaço preenchido por mais de 7 bilhões de pessoas, espalhadas por cinco continentes e considerando os mais de 200 mil anos de história do hommo sapiens na terra, justamente a minha pessoa tivesse uma percepção especial e extraordinária da vida. A inevitabilidade da morte congrega todos nós em um denominador comum. Neste aspecto, apenas vivemos para escrever nossa biografia e deixar nosso livro na estante da história. Entretanto, embora sejamos pequenos grãos de areia espalhados na imensidão da praia, isso não impede que pequenas unidades possam se destacar e deixar marcas eternas. A genialidade humana existe e sempre existirá e o legado de um Darwin, Isaac Newton ou Albert Einstein sempre será lembrado. Há porém, certas pessoas que, muito embora não tenham formulado nenhuma teoria revolucionário, têm a incrível capacidade de nos causar um profundo impacto, e a vontade de reviver a beleza deste impacto deixado eu costumo chamar de uma forma bem simples: saudade.
Viajar para a cidade natal de meus pais sempre me trazia à mente a sensação de que eu estava voltando no tempo. Quando se é criança cada segundo não aproveitado fazendo algo prazeroso parece uma eternidade, e por isso, deslocar-me para uma pequena cidade do interior baiano, mais precisamente para a roça, parecia-me uma situação extremamente desconfortável.
Lembro-me dos passeios a cavalo, do almoço cozinhado no fogão de barro, das brincadeiras com as demais crianças da roça, e sobretudo, das simples conversas com meu avô e tios, conversas estas, diante do horizonte verde seco, castigo pelo clima árido e sol escaldante, do qual participava ou simplesmente ouvia. A realidade é que o tempo parece mostrar-se em sua forma mais nua quando se vive neste tipo de ambiente, como se cada atividade feita ali fosse igualmente importante e marcante. Desta forma, não é surpresa que mesmo para uma criança, como era, a distância entre o mundo urbano e rural era separada por uma verdadeira viagem no tempo.
Ele era um senhor na casa dos seus 70 e poucos anos, porém de muita disposição. Aliás, disposição e humildade foram sempre uma constante em sua vida. Não, prezado leitor, não quero fazer suspense. Tal pessoa, tratava-se do meu avô, um homem com quem tive a oportunidade de compartilhar alguns bons momentos. Bom, o que posso dizer para além desta minha série de repentinos flashes de memória que insistem em adentrar minha cabeça ? Enfim, talvez possa tentar fazer algo.
Mesmo apesar da pouca idade na época, lembro-me de uma singela festa surpresa organizada por minha mãe a meu avô, e da reação de surpresa deste, quando ao acender das luzes, uma dezena de pessoa ou talvez mais, instantaneamente se mostraram visíveis ao seu redor batendo palmas. Lembro também de uma outra surpresa, esta porém, nem tanto oportuna. Em breves palavras, tratava-se de uma enchente na casa onde morávamos, em decorrência da chuva, e de uma forte correria para salvar alguns móveis. Ainda criança, lembro de vê-lo ordenhar algumas pobres vaquinhas logo pela manhã e mais recentemente, de vê-lo lutando contra o câncer.
Ora, ora, ora, o que é a vida senão uma sucessão de momentos tristes e felizes intercalados ? Acho que no fundo isso acontece para que constantemente nos lembremos de nossa condição de seres imperfeitos e insignificantes frente ao tempo. Ainda não me conformo com o fato de ver a vida de uma pessoa muito bem vivida ser resumida em algumas poucas linhas, como se todo um conjunto de dúvidas, emoções, tristezas e coincidências pudessem ser magicamente descritos e explicados por apenas palavras, nada além disso. Eu poderia dizer também que meu avô tinha senso de humor, era muito respeitado na região onde vivia e que era canhoto, aliás, razão pela qual também sou , já que desconheço qualquer outro registro de canhotos na minha família. Nada disso preencheria a totalidade da personalidade de alguém. Acredito que isso ocorre porque eu uso palavras para falar de emoções, talvez, algum dia eu consiga usar emoções para falar de emoções, o que por sinal, me parece ser muito mais lógico.
E agora, José ? A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou. A morte veio como soco no estômago. Nunca me esquecerei do dia em que vi minha mãe chorar ao pegar uma camisa de seu pai por engano, uma camisa esquecida aqui enquanto viera fazer o tratamento. Agora, não existia mais um corpo por dentro daquela camisa, mas apenas ar. Não sabia o que fazer direito, desajeitado, apenas calei-me e a vi chorar em minha frente sem fazer nada. Acredito, que pela primeira vez, me vi acorrentado pelo tempo, pela minha incapacidade em fazer alguém retornar a vida ou em confortar uma pessoa. Infelizmente, aquele homem nunca mais poderia participar de mais uma festa surpresa novamente, com bolos, salgados, pessoas aplaudindo e uma luz acesa. Eu, mesmo que me esforçasse muito, encontrava-me completamente impotente diante da situação, afinal de contas, era e continuo sendo mais uma poeira no vento perdido na infinitude do espaço