Duas ou três pessoas que amo
Há dois milhões de moradores em Curitiba e eu conheço menos de cem – a maior parte mal. Desses, admiro a muitos. Amo, dois ou três. E foi uma dessas raras pessoas que encontrei na rua, caminhando distraída, sem se dar pela minha presença. Caminhava sozinha, sem o filho que soube ter, sem o marido que nunca conheci. Fazia anos que não a via. Lembrei-me então de dias antigos, quando trabalhávamos juntos em um hospital. Éramos dois estagiários, mas em nossas mãos estava todo o setor de jornalismo do maior hospital público do Paraná. E fazíamos um jornal bimestral, um jornal que já nascia velho, cheio de erros que só percebíamos depois de impresso.
Disse que trabalhávamos juntos, mas a verdade é que mal nos víamos. Ela trabalhava pela manhã e eu à tarde, o que nos obrigava a conversar através de bilhetes: “Precisamos de um título para aquela matéria”, “Qual foto você acha melhor?”, “E se diminuíssemos aquele texto?”. Consultávamos o outro diante da menor alteração que fazíamos, e aceitávamos sem dificuldades as sugestões recebidas – ela sempre foi bastante humilde, embora em geral mais capacitada que eu.
Um dia concebemos uma edição sem erros. Não houve palavras escritas erradas, não houve fotos desfocadas, não houve desalinhamento nenhum. A nossa superação foi um glória bem particular, que nunca chegou ao leitor, e mesmo que chegasse não significaria muita coisa. Mas ficamos felizes, porque foi um jornal cheio de sincero esforço.
Depois ela trocou de emprego e eu nunca mais a vi. Trocamos e-mails, tentamos trabalhar juntos em outro lugar, mas sem sucesso. Agora eu a via por puro acaso, mas não tive coragem de falar com ela. Eu não conseguiria falar a verdade: queria felicitá-la por ser uma pessoa boa e justa, que não se deixou consumir pela vaidade, que nunca inventou forças que não tinha. E, embora isso pareça pouco, é suficiente para que eu a inclua entre as duas ou três pessoas que amo em Curitiba. Bom te ver, minha amiga.