O Poeta, a Musa e a Ilusão.

O texto estava lá. Identificado o autor, começou a leitura com a ansiedade de sempre. Deslizou os olhos seduzidos pelas frases bem construídas e se buscou naquelas linhas. Todo leitor busca uma identificação na obra que lê e ela, à medida que admirava a beleza estética da prosa, sentia o texto escapar de si. A expectadora aplaudia o espetáculo, a mulher lamentava o ato que se desenvolvia a sua frente. A alma apequenava-se e mostrava-se ciumenta. Acostumara-se a ser musa e gostava de se imaginar única. Era dada a fantasiar e ele estimulara seus devaneios. Onde se escondiam seus traços no retrato impressionista? Persistiu na leitura, encontrou uma flor rebelde e o seu coração ganhou ânimo. O poema era seu. O poeta o escrevera para ela. E havia sinais de amor. Enfim, em meio à bruma, revelava-se uma imagem conhecida. A imagem de um amor bonito, penoso e resistente. Entregou-se ao calor que acompanhava qualquer contato com ele, o seu poeta. O olhar do poeta acalmava e incendiava, conforme o momento. Sua boca emitia prazer em sons e em toques. Ela preservava cada centímetro de si para ele. Apegava-se aos delírios idílicos; para não enterrar o amor que a fazia vibrar. Porém, a alegria momentânea começou a perder terreno e a apreensão assaltou sua alma inquieta. O poeta parecia se despedir. Confessava desconfiança; fechava a janela à paisagem tantas vezes idealizada; demolia o futuro. A leitora prendeu a respiração. Faltaram-lhe o ar e o chão. Faltou-lhe vida, ainda que por segundos. Mente e corpo envolviam-se num emaranhado de sensações: onde o sol antes aquecia, ora o gelo queimava, ardia. Alimentara-se das promessas declamadas. Quisera dar vida ao poema e fora insistente nisso. Acreditara em qualquer aceno vindo do outro lado da janela e não era tarefa fácil enfrentar a dor, pois morava uma menina naquela mulher que lia o amor. A mulher impedia a menina de crescer, protegendo-a da vida real. A menina continuava a correr da rejeição; a mulher encontrara no poeta seu fiel guardião. Agora em pânico, antevia a sombra de o desamor alcançar sua menina. Num ímpeto, a mulher fechou a janela. Fugiria. Não era hora da menina sofrer. Não poderia aceitar, necessitava do amor, precisava sonhar. Vestiu um jeans, subiu em um scarpin, pôs brilho nos lábios e acentuou o negro dos olhos. Disfarçaria a tristeza, enganaria o coração. Iria ao cinema; trocaria a matriz da ilusão.

Evelyne Furtado
Enviado por Evelyne Furtado em 14/04/2007
Reeditado em 17/10/2008
Código do texto: T449787
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