O Peso da Perda

Marcelo, diagnosticado com um câncer terminal, foi orientado pelos médicos a passar seus últimos dias em casa, ao lado família. Sabendo de sua condição, resolveu fazer alguns vídeos onde deixava mensagens para parentes, amigos e público em geral sobre superação e lição de vida. Dizia que, embora estivesse morrendo, se sentia feliz por ter feito tudo que desejava, por ter realizado seus sonhos. Pediu para que seus pais, irmãos, parentes e amigos não ficassem tristes com a sua partida. Gostaria que todos se lembrassem dele com alegria, pois assim viveu durante esses dezessete anos, fazendo todos sorrirem não importasse a ocasião. Compôs uma canção de despedida, agradecendo aos amigos pelas orações e pelo apoio nos momentos difíceis.

Já prevendo o seu descanso final, pediu a visita das pessoas mais íntimas para sua despedida. Mais uma vez pediu para que ninguém chorasse, para que fosse um “adeus” alegre, festivo bem ao seu estilo de vida. Apesar das fortes dores, forçou um largo sorriso para receber aqueles que o apoiaram durante a pior fase da doença. Primeiramente entraram seus pais. Ele, ao vê-los, deixou escapar um sorriso sereno, confortador, já esperando aquele momento de comoção.

- Meus amados pais, não fiquem tristes. Deus sabe o que faz, e estou feliz com sua decisão.

- Não estamos tristes, meu filho – disse a mãe. – Já estávamos preparados para esse momento. É assim o curso natural da vida, alguns morrem na velhice, outros na juventude...

E o pai complementou:

- Se você está feliz, nós também estamos, meu filho. A morte é um descanso. Você deve ter aproveitado bastante a sua vida. Não deve ter restado mais nada de emocionante para curtir, talvez um grande amor, uma grande aventura, uma realização profissional. Nossa vida, pelo contrário continua. Temos planos para o futuro... Quem sabe mais um filho, não é amor? – perguntou à esposa, que não aparentava nenhuma tristeza.

- Mas sei que estão tristes com a minha partida repentina. Deve ser triste perder um filho ainda tão jovem... – disse Marcelo, com um sorriso meio amarelo.

- Ah, meu filho, gostaríamos que você vivesse mais, porém as circunstâncias não permitiram. E afinal de contas foi você mesmo que pediu para não ficarmos tristes, não é mesmo? Então...

Depois de se despedir dos pais, chegou a vez de rever pela última vez seus grandes amigos. Novamente Marcelo estampou na face aquele sorriso sereno.

- Meus queridos amigos, quem bom revê-los. Quantos momentos bons passamos juntos. Gostaria que se lembrassem de mim com alegria, recordando esses momentos, de muita bagunça. Não quero tristeza no meu velório – disse, sorrindo.

- Quem falou em tristeza? – questionou um deles – A vida segue normalmente. Foi bom cada momento, curtimos bastante, porém o barco segue seu rumo. Não vamos nos esquecer de você, perderemos um grande amigo, mas novas amizades virão. Não vamos deixar de viver por conta de uma perda prematura...

- Mas não se esqueçam das mensagens que deixei, sobre viver a vida intensamente, realizar seus sonhos, não desanimar diante das dificuldades...

- Sabemos disso. Você apenas repetiu uma verdade universal sobre a vida. Agradecemos os seus vídeos, mas não espere que fiquemos comovidos, chorosos, inconformados. Ficaremos tristes com a sua morte, porém ninguém vai desabar em prantos, entrar em depressão ou deixar seus planos de lado. Adeus, meu amigo.

E assim seus amigos saíram do quarto, sem derramar uma única lágrima. Marcelo, então, percebeu que ignorou a dor deles e se preocupou apenas com seus últimos dias de vida. Temendo que sua morte fosse em vão, tentou passar uma mensagem de superação, imagem de exemplo de vida, negligenciando o vazio que sua partida deixaria naqueles que se importavam. Foi egoísta. Não reconheceu o sofrimento dos que o acompanharam durante a sua fase terminal. É fácil se sentir feliz ante a morte, quando não se está por perto no momento da dor, do choro, da saudade. Quando perdemos alguém, é como se uma parte nossa fosse arrancada bruscamente. Devemos dar à morte a sua devida importância. A lição que tiramos dela não depende dos que já foram, mas de nós mesmos.

Cleiomar Queiroz
Enviado por Cleiomar Queiroz em 25/09/2013
Código do texto: T4497518
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