Esse cidadão comum

Em pleno domingo, caminho pelo Setor Comercial Sul em Brasília, que tem a singular característica de não funcionar aos fins de semana – até o Setor de Autarquias deve ser mais movimentado nesses dias. Isso não significa, infelizmente, que o povo brasiliense seja mais resistente à publicidade e esteja abdicando do consumo desenfreado, mas apenas que prefere fazer as suas compras naquilo que o Tezza chama de “bolsão de consumo refrigerado” - um shopping.

É por isso que encontro um Setor Comercial praticamente deserto. Apenas um ou outro pedestre, e alguns tipos dedicados ao consumo de entorpecentes – de certa forma, isso justifica o “comercial” no nome. Já no final do setor, testemunho uma briga de casal. Ela está munida de um pedaço de pau e discute em voz alta com um homem bastante magro. O homem diz: “Vagabunda! Você é uma vagabunda!”. A mulher, evidentemente para provocá-lo, responde: “Sou mesmo! Quem foi que disse que eu não sou? Sou vagabunda sim”.

Mas o homem não escuta nada do que ela fala e apenas insiste: “Vagabunda! Você é uma vagabunda!”. A mulher responde as mesmas coisas, e ambos parecem dispostos a continuar assim até o fim da vida – e não seria surpresa se fosse mesmo o fim da vida para um deles, pois o homem poderia avançar sobre a mulher e receber em troca uma paulada fatal. Isso supondo que não estivessem armados, o que adiantaria o desfecho.

São mortes assim que dominam os números difíceis de admitir que o Caco Barcellos tem apresentado pelo Brasil. Em cidades como o Rio e São Paulo, cerca de 5% das mortes violentas são causadas por assaltantes, 20% são causadas pela polícia e 75% são causadas pelo cidadão comum. Esse cidadão de bem que um dia sente um ciúme incontrolável, que se enfurece com uma fechada no trânsito, que discute com o vizinho por causa do som alto, que se cansa de cobrar uma dívida. Mas que no dia a dia paga os seus impostos, tem um bom emprego, é admirado e respeitado. Um perigo, esse cidadão comum.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 25/09/2013
Reeditado em 25/09/2013
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