NÃO QUERO MAIS SER NEGRO

Posso dizer que sou o protótipo da miscigenação brasileira, minha bisavó paterna era uma africana que viveu cento e quinze anos. Tive o prazer de conhecê-la na década de sessenta. Ela foi violentada por um índio de quem teve seu único filho, meu avô piauiense Martin Maroto. Por sua vez, minha mãe descende de imigrantes portugueses, das famílias Oliveira e Barbosa Viana, radicados em Aracati, Ceará. Do meu pai Zé Paulo com minha mãe Miriam nasceram seis filhos, na sequencia quatro homens e duas mulheres, sendo os dois primeiros (eu incluso) com características afro, os outros dois homens com características europeias e as duas meninas meio indígenas. Somos, portanto, uma autêntica família brasileira.

Eu não sabia que era negro até meus quatorze anos. Por que não sabia? Ora, porque não se tocava nesse assunto. Eu não era negro, era filho, era irmão, era primo, era colega de escola, era amigo, era vizinho, essas coisas. Só vim notar que era negro quando comecei a trabalhar aos quatorze anos. Apavorante experiência. Não vou contar aqui os episódios de discriminação. Quando lembro, revivo e me revolto. Minha cardiologista me proibiu o estresse. Então digo, não quero ser negro, nunca mais. Não que eu queira agora ser branco, não se trata disso. Michael Jackson não me representa. Porém, como nos meus tempos de infância quero voltar a ser o que eu sempre fui diante das pessoas que convivia e mais algumas coisas que adquiri: filho, irmão, colega, amigo, profissional, cidadão, pai, avô e assim por diante.

Minha autoestima não é problema, foi assim que sobrevivi, não carrego mágoa daqueles que me discriminaram, é assim que sobrevivo, só queria que você entendesse essa mensagem.