Crônica do dia anterior

Já adianto dizendo que esta é, talvez, uma crônica muito cansativa ou melancólica demais. Talvez até desinteressante. Se tiver paciência, fique e leia; se não, pode ir em busca de outro texto...

Amanheci depois de uma noite muito mal dormida. Levantei cedo - algo não corriqueiro - perambulei pela casa e sem ter o que fazer, ou melhor, sem querer fazer as coisas que tinham para ser feitas, recolhi-me novamente em meu ninho. Fiquei pensando sobre a vida durante algumas horas, talvez duas ou três, até que resolvi levantar e comer um pedaço de pizza restante da noite anterior. Não tive estômago para comê-lo inteiro.

Voltei ao meu quarto, olhei para a cama, e tudo que pedia era por ela. Mas não. Abundei-me ao computador. Acho que encarei a tela vazia por quase uma hora, pensando num mundo e não dizendo nada, nem vendo. Vendo além do que estava ali na minha frente. Passei parte do dia decorando parte de um livro: "Mesmo em maio - com manhãs secas e frias - sou tentado a mentir-me. E minto-me com demasiada convicção e sabedoria, sem duvidar das mentiras que invento para mim. [...] sofri imprecisa saudade do mundo, confirmada pela crueldade do tempo. A vida me pareceu inteiramente concluída. Inventei-me mais inverdades para vencer o dia amanhecendo sob névoa. Preencher um dia é demasiadamente penoso, se não ocupo das mentiras.". "Vermelho amargo". Meu dia estava assim: um vermelho terrivelmente amargo.

Almocei, pouco, como de costume, depois pus-me a ler a biografia de Nei Lopes - estaria mais tarde visitando-o no MAO. De fato foi um tanto cansativo o seu depoimento. Não me alegrei muito com tal visita. Preferi mil vezes quando Joca Terron lia um trecho maravilhoso de seu livro "A tristeza extraordinária do leopardo das neves” e sua voz ecoava com melancolia, exatidão e suavidade por aquele saguão. Maravilhada. Fiquei. Enfim... Voltando ao meu dia...

Arrumei-me para ir à faculdade. Nesse meio tempo meu pai chegou a minha casa enquanto minha mãe fazia algo na cozinha... Então se podia ouvir duas vozes extremamente alteradas falando de passado, decepções, prioridades e de todas as mesmas baboseiras de sempre. Olhei para uma fotografia em minha cômoda de nós três, e nada foi tudo o que vi. Rostos pálidos, saudades imprecisas, tempos cruéis. Coloquei meus fones de ouvido e ignorei tudo o que acontecia ao meu redor. Estava como quando olhava para a tela, porém tela nenhuma havia, se não o infinito que meus olhos buscavam. Encontraram algumas lágrimas, mas logo as contive e sai daquele infinito universo particular.

Esperava por uma resposta - talvez várias, assim pensando adormeci um pouco dentro da van. Senti o vento batendo em meu rosto, acalmando os nervos antes à flor da pele e levando toda aquela ansiedade que de mim estava tomando conta. Foi-se. Caminhei até o prédio 6 onde estudo. Recebi alguns elogios de uns amigos, ganhei parte do dia que já tinha perdido e que voltaria a perder mais tarde. No metrô uma vibração indesejada alertou-me sobre uma mensagem, não queria ler, sabia que não gostaria de seu conteúdo. Aquela coisa de mentir-se a si mesmo... Porém a li. Quando chegamos ao MAO sentamo-nos alguns mais distantes, outros mais próximos. Tenho uma amiga especial, na mais forma literal da palavra. Quando não se tem um dos sentidos aprende-se a explorar muito mais aos outros. Ela explora, ela ensina, ela aprende... O tempo chato pelejou, arrastou e eu rabiscava minha agenda enquanto ouvia ao fundo distante as palavras de Nei Lopes.

Choveu. Tive vontade de me banhar nas gotas, porém não seria algo muito bom. O frio tomaria conta de mim depois. Do frio ando querendo distancia, já me basta o ser humano. Saímos antes de finalizar o depoimento, esperamos o metrô novamente e voltamos para a universidade. Ficamos - alguns – conversando ainda para passar o tempo até mais ou menos 22:30. Dando tal hora subi para esperar minha van que costuma chegar por volta das 23 horas, os outros seguiram cada um para o seu canto. Coloquei meu fone e inundei-me de canções solitárias e melancólicas enquanto andava pelo campus movimentado, porém para mim vazio. Sentei-me e fiquei olhando a avenida. Os carros que passam. As pessoas que passam. Os segundo que passam.

Novamente mais um inesperado alerta de mensagem. Mais uma vez, não queria ler. Não queria e ainda não quero. Embora tenha lido. Li com as borboletas comendo o meu estômago, pensando no que poderia dar aquilo tudo. Querendo, desejando que tudo desse certo. Mas eu não sei. Nem posso saber. Não sou eu o coração, a mente que sente do outro lado. Entrei para a van terrivelmente cansada de um dia não muito cheio, se não de desapontamentos.

Permaneci calada, pensando e ouvindo canções. Permaneci sendo devorada pelas borboletas em meu estômago. Permaneci se não impotente... Agora mesmo olho para aquela fotografia. Sim, aquela de antes. Está virada para baixo. Não tenho estômago para olhá-la. Não tenho estômago para sequer pensá-la. Será tão brevemente esquecida como todas as outras coisas. Penso ainda nas mensagens recebidas, nas poucas, porém de tamanha precisão ou imprecisão, da forma que puderes interpretar... Continuo a mentir-me. Aqui sentada ouço uma canção de Caetano, a mais solitária de todas. Conhece certo?! Apenas pense e saberá de qual estou falando.

Permaneço. Não sei como me sentindo e o que pensando. Apenas permaneço. Aqui. Escrevendo sobre o meu dia passado, cansado. Escrevendo sobre aquele dia em que os olhos procuram apenas por uma coisa simples, porém não conseguem encontrar em lugar nenhum. Agora irei me recolher, deitar naquela cama que desejei e recusei ontem mais cedo. A partir daqui meus sonhos serão permitidos, meu sono quem sabe pesado e o meu futuro? Ah... Esse é mais que impreciso. Indeciso. Só me resta esperar pelo amanhecer e torcer para não precisar mentir-me mais uma vez e desejar não ter cores tão vermelhas amargosas...

02:26

Larissa Maciel
Enviado por Larissa Maciel em 25/09/2013
Reeditado em 19/12/2013
Código do texto: T4496963
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