Encontro com Adélia Prado

Desde os 14 anos, Adélia Prado já escrevia sonetos, mas só lançou o primeiro livro, “Bagagem”, em 1976. Eu não me lembro da época exata em que comecei a ouvir falar dela. Sei que, a princípio, o seu nome me chamou a atenção por ser parecido com o meu (existem pessoas que me chamam de Adélia, julgando ser Déa o meu apelido). Pouco depois, fui descobrindo que se tratava de uma poeta de Divinópolis. “Uma mineira se destacando na literatura”, pensei, com orgulho. Aos poucos, fui reunindo informações, uma aqui, outra ali, um texto acolá e passei a admirá-la. Em cada palavra, em cada pausa, em cada verso dos seus poemas... o seu interior se expandia e ia aos poucos se revelando... Era a poesia derramando versos pelas montanhas de Minas. Era a alma confidenciando os registros do dia-a-dia da vida, numa linguagem simples e aconchegante. Era como ver o café fumegando bem cedinho numa xícara de louça. Talvez por ser mulher, mística e... das Minas Gerais favorecesse uma maior identificação minha por ela. É como se falássemos a mesma linguagem. É provável que resida nesse fascínio o encantamento que o poeta Drummond, também mineiro, sentiu pelos seus versos. Tudo isso fazia crescer em mim a sede de conhecê-la mais e mais... Em minha casa todos cooperavam. Meu marido me chamava: “Venha ver! A Adélia está falando na TV Cultura” Eu largava tudo e corria... Meu irmão também costumava trazer alguma coisa que ele via em jornais. O último que recebi foi uma página de “Almanaque do Brasil”, que meu filho trouxe. Nela há uma referência sobre a poeta na seção “Carta enigmática”. E eu pensava: “Agora só falta conhecê-la pessoalmente”.

Ao escrever este texto, vou-me lembrando dos encontros de alguns escritores iniciantes com os consagrados. Sei do que aconteceu com Affonso Romano de Sant’ Anna e com Autran Dourado. Aliás, Affonso Romano fala em suas crônicas dos encontros com dois expoentes da literatura: Bandeira e Drummond. Com Bandeira, ele escreve: “Abriu-se a porta do apartamento. Eu nunca tinha estado em apartamento de escritor. A rigor não posso nem garantir se havia visto algum escritor de verdade assim de perto. E não estava em condições emocionais de reparar em nada. Fingia uma tensa naturalidade mineira. O irmão mais velho ali para garantir”. Com Drummond, ele narra: “E eu, achando-me destemido e justiceiro, na conversa comuniquei ao poeta que eu o achava melhor e mais importante que Bandeira. Era uma maneira adolescente e estouvada de declarar amor. Fui taxativo. E estava certo. Ele sorriu desconversando porque nunca soube o que fazer quando lhe mostravam o afeto à flor da pele.” O encontro de Autran Dourado foi com Godofredo Rangel. Autran escreve: “Fiquei andando de um lado para outro, as mãos úmidas, o coração pesado de ansiedade e de medo. Ia finalmente ver um deus, era assim que antecipadamente eu vivenciava aquele encontro”.

E o meu encontro com Adélia Prado, como se deu? Padre Geraldo Gabriel de Bessa, que foi meu professor na faculdade, é amigo e grande admirador da poetisa. Sempre fala sobre ela, lê os seus textos no seu programa de rádio. Certa vez, ele me disse: “Um dia vou levar você para conhecer a Adélia Prado”. O tempo foi passando e ele sempre reafirmava a mesma coisa. Até que ligou para mim e disse que no dia 17 de maio a Adélia abriria a Semana Filosófica do Seminário que ele dirige, em Divinópolis, com o tema “Mito e Poesia”. E me convidou para assistir a ela. Na manhã do dia marcado, peguei o livro dela, “Oráculos de maio” e fui para Divinópolis. Fiquei assentada nos últimos lugares e pensava: “No final da entrevista, me aproximo dela e peço-lhe para que autografe o livro”. Do lugar em que eu estava dava apenas para ouvi-la, vê-la era quase impossível. Fiquei encantada com suas palavras. Em cada uma delas eu ia descobrindo o pouco conhecimento que possuo e refletia sobre o muito que preciso aprender.

De repente, acontece o inesperado! Padre Gabriel me descobre lá onde eu me encontrava. Afinal de contas, esconder-me para mim não é tão difícil, tem sempre alguém maior à minha frente e por isso estou acostumada a esticar o pescoço ou ficar nas pontas dos pés. Mas tal qual aconteceu com Zaqueu, que Jesus viu lá na árvore, ele também me viu. E interrompeu o que falava para me pedir que ocupasse o lugar ao seu lado (ele estava à direita dela) naquela mesa. Tive vontade de dar uma saída estratégica pela direita. Lembram-se daquele desenho animado “O leão da montanha” onde a frase característica "Saída, pela esquerda" fazia menção ao caminho para sair do palco, diante de alguma situação difícil que se apresentava? E olhem que à minha direita a porta estava bem convidativa! Mas me contive e caminhei até a mesa. Não sei nem como consegui fazer isso. Só sei que quando me dei por mim estava apertando as mãos de Adélia Prado, enquanto ouvia Padre Gabriel apresentar-me para as pessoas. Assentada bem próximo a ela fui sorvendo as suas palavras, olhando para o seu rosto sereno, observando a sua expressão, ouvindo a sua maneira calma e pausada de falar. Parecia que aquilo não estava acontecendo de fato. Quando as coisas acontecem de uma maneira imprevisível, têm um sabor de sonho, de coisas irreais.

No final da entrevista e das perguntas, eu me vi na obrigação de vencer a timidez que me silenciava e falar algumas palavras ao microfone. Foram poucas diante do muito que eu tinha para falar. Por isso, saí de lá pensando nas coisas que eu poderia ter dito. Por que não mencionei as suas poesias que mais me encantam? Cada vez que eu pensava alguma coisa assim, me sentia mais chateada. Ter uma oportunidade daquela e falar tão pouco... Depois de um tempo, fui racionalizando o encontro e percebi que o pouco que eu falara fora importantíssimo! Afinal de contas, o que eu havia enfrentado era imensamente superior aos encontros de Affonso Romano e Autran Dourado. O encontro deles ocorrera praticamente, entre eles próprios e o escritor...e o meu, além de ter sido inesperado, teve uma plateia inteira assistindo...

E para minha alegria, lá no meio do auditório estava a amiga Raquel Grassi, que no final pediu a Adélia Prado que ficasse ao meu lado, a fim de que tirasse uma foto nossa. E fechando todos esses momentos gloriosos, recebi o seu abraço e tive o livro “Oráculos de maio” autografado com os seguintes dizeres: “Déa, para você que ama a poesia. Com alegria! Adélia Prado”.

Déa Miranda
Enviado por Déa Miranda em 24/09/2013
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