UM DIA NA PRAIA DOS MOSSOROENSES
Fim de semana chegando, época de férias e todo mundo descendo a ladeira rumo à praia. Todo o ano é assim, pelo menos desde que eu me conheço como gente. Praia para os mossoroenses é como circo ruim: quem está fora quer entrar, quem está dentro quer sair. Isso mesmo. E quando digo mossoroenses, falo daqueles que vão para passar o dia, ou no máximo, um fim de semana.
Imagine você querer ter seu lazer e não possuir uma casinha na praia? O jeito então é ir dando uma de convidado sem ser - como quem não quer nada, querendo - e ir se arranchando na casa de quem tem, e é, pelo menos, seu conhecido. Já contei, numa casa só, 54 pessoas entre velhos, jovens e crianças. E a casa só tinha uma sala, dois quartos, um banheiro, além do alpendre, claro. Uma verdadeira zona de guerra! E é aí que mora o problema, ou seja, é aí que o circo pega fogo. Depois de todos esses anos ainda não há uma estrutura adequada para se receber essa leva de pessoas. Começa pela falta de água, a energia não agüenta a sobrecarga e dá apagões, enfim, a "fartura" é grande.
Outro dia, eu resolvi ir de ônibus (desses que se aluga para "excursionar") e me diverti muito com a aventura: desde a saída até a chegada à praia e vice-versa. Como era só um dia, ou melhor, uma parte do dia, não foi necessário procurar casas de conhecidos. Aliás, procurar casa de gente conhecida é outra aventura. Voltemos para a "excursão".
Pra começar, a viagem se inicia no dia anterior, quando se prepara a famosa "farofa" (que de farofa tem muito pouco, pois o que se leva, na verdade, é do bom e do melhor): a galinha torrada ou a carne de sol, o cuscuz, o arroz e o macarrão. Para acompanhar, laranja, banana, abacaxi (já em rodelas) e, é claro, a bolacha recheada que é para a merenda dos "bichinhos" (as crianças). O garrafão de água mineral é essencial para não se desidratar. Tudo isso, colocados separadamente, por vasilhas de plásticos, acondicionados em uma bolsa térmica, à prova de solavancos, pisões e bolsas, sobrepostas, todas elas, uma em cima das outras e até servindo de assento para o seu próprio dono.
Pois bem, depois disso vem à fase da preparação pessoal: pôr em bolsa tiracolo, a sunga (o biquíni), os óculos de sombra, o boné de marca, as sandálias, a toalha e o protetor solar caseiro. A viagem é curta, porém nesse espaço de tempo as crianças enjoam, os marmanjos se embriagam, as mocinhas dançam os funks (com coreografias) da vida, as senhoras suam (ônibus de "excursão" para a praia não tem ar-condicionado e muito menos "toalete"), os adolescentes namoram e os mais velhos roncam até babarem.
O pior é quando se chega à praia. Pela norma do trânsito praieiro, é proibido aos ônibus irem até próximo da tão esperada orla marítima, ou seja, para pôr os pés na bendita água e pular as sete ondas é necessário uma caminhada extra (que não está incluída no preço do "fretamento"), de mais ou menos um quilômetro.
Bem, seria normal se não fosse pelo fato de que, até chegar à praia, os turistas têm que darem uma de Indiana Jones, para ultrapassar os perigos que espreita a caminhada. São carros entramelando por entre os transeuntes, com seus alto-falantes potentes - ensurdecedores até para ouvido de cachorro –, camelôs vendendo: da "canga" até água de coco verde, guardas apitando sem ninguém dar atenção, motos acelerando como se estivesse num rally, os bares lotados e as pessoas nos alpendres dançando o "axé music".
Nessa hora, os marmanjos dos ônibus se esquecem que vieram para a praia e já ficam por ali mesmo, pois além dos lamaceiros que vão se tornando cada vez maiores – com o passar dos carros e motos – para, finalmente, se avistar a praia, ainda tem um problema: a descida íngreme. Aí o bicho pega. É um tal de segurar nos braços dos mais velhos; gente derrapando; menino caindo e se relando todo; as mocinhas dando gritinhos de medo (na verdade é para chamar a atenção de quem vem subindo penosamente o mesmo caminho da descida) e os mais "robustos" vão se equilibrando com todo cuidado para não deixar cair às bolsas, garrafões e os isopores (de bebida, diga-se de passagem, pois a "malvada" faz parte do pacote), mas como a descida é pequena, logo se alcança o mar.
Aí vem outra etapa da viagem: procurar um local para pôr a "bagagem" e, vale frisar: que não seja pago. Se o dia estiver começando, se encontra. Caso contrário, tem que ir andando até perto do "arrombado" (na gíria Mossoroense, um local onde o mar faz uma curva e adentra a areia, comumente chamado: braço de mar) para se conseguir uma tendinha. Invariavelmente, essa procura leva certo tempo, que pode ser precioso e que poderia ser aproveitado, como por exemplo: desfilar o biquíni novo; os marmanjos mostrarem o tórax "bombado" na malhação das férias, etc.
Mas, enfim, o paraíso! Um dia inteiro no sol, torrando, e ao mesmo tempo, se livrando dos jet sky, das pranchas de surf, dos sky surf; das motos que passam em alta velocidade por entre o mar e a areia dos banhistas; o cuidado com as crianças, mas, como todo brasileiro e bom nordestino: a gente sofre mais nós goza! Na hora do almoço é um corre-corre de gente para junto de sua "turma", pois apesar da comida ser farta, se alguém da turma se atrasar, a comida falta.
E tem a volta. No máximo, duas horas da tarde é para estar de volta ao ônibus. A subida é penosa. O esforço é dobrado, pois apesar da carga da vinda ter sido descarregada, a carga da volta – bêbados e crianças dormindo – é mais pesada. Uma verdadeira via crucis de pecadores. O mesmo trajeto, por entre carros, motos, bêbados e camelôs e, finalmente, o ônibus!
O retorno é assim distribuído: 30% vêm dormindo; 10% falando da vida alheia (a vizinha que se encontrava por lá e que estava com um maiô que parecia do tempo do "ronca"); 10% namorando (alguns até trocaram de par) e 50% dos ocupantes bêbados. Aí vocês vão me perguntar onde eu me encaixo, certo? Respondo: nos 50%. . .
Fim de semana chegando, época de férias e todo mundo descendo a ladeira rumo à praia. Todo o ano é assim, pelo menos desde que eu me conheço como gente. Praia para os mossoroenses é como circo ruim: quem está fora quer entrar, quem está dentro quer sair. Isso mesmo. E quando digo mossoroenses, falo daqueles que vão para passar o dia, ou no máximo, um fim de semana.
Imagine você querer ter seu lazer e não possuir uma casinha na praia? O jeito então é ir dando uma de convidado sem ser - como quem não quer nada, querendo - e ir se arranchando na casa de quem tem, e é, pelo menos, seu conhecido. Já contei, numa casa só, 54 pessoas entre velhos, jovens e crianças. E a casa só tinha uma sala, dois quartos, um banheiro, além do alpendre, claro. Uma verdadeira zona de guerra! E é aí que mora o problema, ou seja, é aí que o circo pega fogo. Depois de todos esses anos ainda não há uma estrutura adequada para se receber essa leva de pessoas. Começa pela falta de água, a energia não agüenta a sobrecarga e dá apagões, enfim, a "fartura" é grande.
Outro dia, eu resolvi ir de ônibus (desses que se aluga para "excursionar") e me diverti muito com a aventura: desde a saída até a chegada à praia e vice-versa. Como era só um dia, ou melhor, uma parte do dia, não foi necessário procurar casas de conhecidos. Aliás, procurar casa de gente conhecida é outra aventura. Voltemos para a "excursão".
Pra começar, a viagem se inicia no dia anterior, quando se prepara a famosa "farofa" (que de farofa tem muito pouco, pois o que se leva, na verdade, é do bom e do melhor): a galinha torrada ou a carne de sol, o cuscuz, o arroz e o macarrão. Para acompanhar, laranja, banana, abacaxi (já em rodelas) e, é claro, a bolacha recheada que é para a merenda dos "bichinhos" (as crianças). O garrafão de água mineral é essencial para não se desidratar. Tudo isso, colocados separadamente, por vasilhas de plásticos, acondicionados em uma bolsa térmica, à prova de solavancos, pisões e bolsas, sobrepostas, todas elas, uma em cima das outras e até servindo de assento para o seu próprio dono.
Pois bem, depois disso vem à fase da preparação pessoal: pôr em bolsa tiracolo, a sunga (o biquíni), os óculos de sombra, o boné de marca, as sandálias, a toalha e o protetor solar caseiro. A viagem é curta, porém nesse espaço de tempo as crianças enjoam, os marmanjos se embriagam, as mocinhas dançam os funks (com coreografias) da vida, as senhoras suam (ônibus de "excursão" para a praia não tem ar-condicionado e muito menos "toalete"), os adolescentes namoram e os mais velhos roncam até babarem.
O pior é quando se chega à praia. Pela norma do trânsito praieiro, é proibido aos ônibus irem até próximo da tão esperada orla marítima, ou seja, para pôr os pés na bendita água e pular as sete ondas é necessário uma caminhada extra (que não está incluída no preço do "fretamento"), de mais ou menos um quilômetro.
Bem, seria normal se não fosse pelo fato de que, até chegar à praia, os turistas têm que darem uma de Indiana Jones, para ultrapassar os perigos que espreita a caminhada. São carros entramelando por entre os transeuntes, com seus alto-falantes potentes - ensurdecedores até para ouvido de cachorro –, camelôs vendendo: da "canga" até água de coco verde, guardas apitando sem ninguém dar atenção, motos acelerando como se estivesse num rally, os bares lotados e as pessoas nos alpendres dançando o "axé music".
Nessa hora, os marmanjos dos ônibus se esquecem que vieram para a praia e já ficam por ali mesmo, pois além dos lamaceiros que vão se tornando cada vez maiores – com o passar dos carros e motos – para, finalmente, se avistar a praia, ainda tem um problema: a descida íngreme. Aí o bicho pega. É um tal de segurar nos braços dos mais velhos; gente derrapando; menino caindo e se relando todo; as mocinhas dando gritinhos de medo (na verdade é para chamar a atenção de quem vem subindo penosamente o mesmo caminho da descida) e os mais "robustos" vão se equilibrando com todo cuidado para não deixar cair às bolsas, garrafões e os isopores (de bebida, diga-se de passagem, pois a "malvada" faz parte do pacote), mas como a descida é pequena, logo se alcança o mar.
Aí vem outra etapa da viagem: procurar um local para pôr a "bagagem" e, vale frisar: que não seja pago. Se o dia estiver começando, se encontra. Caso contrário, tem que ir andando até perto do "arrombado" (na gíria Mossoroense, um local onde o mar faz uma curva e adentra a areia, comumente chamado: braço de mar) para se conseguir uma tendinha. Invariavelmente, essa procura leva certo tempo, que pode ser precioso e que poderia ser aproveitado, como por exemplo: desfilar o biquíni novo; os marmanjos mostrarem o tórax "bombado" na malhação das férias, etc.
Mas, enfim, o paraíso! Um dia inteiro no sol, torrando, e ao mesmo tempo, se livrando dos jet sky, das pranchas de surf, dos sky surf; das motos que passam em alta velocidade por entre o mar e a areia dos banhistas; o cuidado com as crianças, mas, como todo brasileiro e bom nordestino: a gente sofre mais nós goza! Na hora do almoço é um corre-corre de gente para junto de sua "turma", pois apesar da comida ser farta, se alguém da turma se atrasar, a comida falta.
E tem a volta. No máximo, duas horas da tarde é para estar de volta ao ônibus. A subida é penosa. O esforço é dobrado, pois apesar da carga da vinda ter sido descarregada, a carga da volta – bêbados e crianças dormindo – é mais pesada. Uma verdadeira via crucis de pecadores. O mesmo trajeto, por entre carros, motos, bêbados e camelôs e, finalmente, o ônibus!
O retorno é assim distribuído: 30% vêm dormindo; 10% falando da vida alheia (a vizinha que se encontrava por lá e que estava com um maiô que parecia do tempo do "ronca"); 10% namorando (alguns até trocaram de par) e 50% dos ocupantes bêbados. Aí vocês vão me perguntar onde eu me encaixo, certo? Respondo: nos 50%. . .
Obs. Imagem da internet (imagem da praia de Tibau - lado do Ceará - a praia do mossoroenses)