Nem o governo e nem a oposição

Foi quando eu tive uma pena muito grande de todos nós, que havíamos saído cedo de casa, após a madrugada mais quente do ano, e fomos trabalhar substituindo o “bom dia” pelo “que calor é esse?”, até nos abrigarmos no conforto de um ar-condicionado. E demos duro o dia todo, fizemos mais do que gostaríamos de fazer, fizemos até o que não gostamos, o que não concordamos, tivemos nosso talento desperdiçado, suportamos injustiças, pessoas que não fizeram o prometido, discutimos, mas ainda assim nos submetemos, porque não está fácil pra ninguém, e qualquer emprego ainda é melhor do que emprego nenhum.

E quando já deveríamos estar livres de qualquer preocupação, quando o dia chega ao fim, quando tudo o que queremos é chegar em casa e descansar, precisamos disputar espaço num concorrido ponto de ônibus, aguardando um ônibus que não chega nunca, e quando chega está sempre cheio demais, mas mesmo assim nós embarcamos, porque senão fica muito tarde, e então temos que ficar em pé, não podemos simplesmente sentar e ler um livro, não podemos nem mesmo mexer no celular, porque temos apenas duas mãos, e somos jogados para a frente a cada freada do motorista, e temos que nos espremer toda vez que alguém quer passar, encoxamos e somos encoxados o tempo inteiro, mas temos sorte porque dessa vez o ônibus não quebrou.

A cena se repete diariamente, nós já estamos conformados, mas mesmo assim ainda acreditamos em ideologias, esquerda e direita, partidos políticos, ainda acreditamos que alguém está realmente interessado no que a gente passa, ainda acreditamos que alguém está disposto a fazer alguma coisa para resolver nossos problemas de uma vez por todas, mas está evidente que nem o governo e a nem a oposição que quer ser governo irão fazer coisa alguma, embora nós ainda briguemos por causa deles, discutindo quem é o melhor para nós, e vamos continuar brigando e discutindo eternamente, como eternas serão as viagens que faremos de volta para casa.