A LAVADEIRA

Ontem, manchei com vinho uma blusa branca, da qual gosto muito.
A refeição estava saborosa, um ravioli ao molho de queijo mascarpone, coberto com shimeji. Me empolguei conversando, enquanto segurava a taça com o vinho, e o estrago estava feito.
Hoje, logo pela manhã, levei a blusa na lavanderia, na tentativa de salvá-la.
Em poucos minutos, uma mulher de origem oriental, (creio que chinesa) em um inglês, tão sofrível quanto o meu, me antendeu, e disse que, amanhã, a peça de roupa, já estará pronta, lavada e sem vestígios do vinho.

A rapidez com que fui atendida, a maneira atenciosa mas com poucas palavras, me fez recordar, da Dona Aurora. Uma senhora que por muitos anos lavou as roupas para minha vó.
A humilde lavadeira, chegava todas as segundas-feiras bem cedinho. E o ritual era sempre o mesmo. Minha vó, a convidava para entrar, para um dedo de prosa e uma xícara de café que parecia sempre recém coado, pois ficava sobre o fogão a lenha, dormitando em banho maria.
Desse encontro, resultava o que a psicologia moderna, chamaria de terapia. Onde, quase sempre minha bondosa vó, fazia o papel de psicóloga. Uma vez ou outra o papel se invertia, e era Dona Aurora, quem ouvia e aconselhava com seu jeito simples, a minha vó.

Lembro-me, de ver a esforçada lavadeira, quase sempre chegar, arrastando além de um par de alpargatas velhas nos pés, um semblante contrito, pensativo. E de vê-la, sair da cozinha de nossa casa, de ânimo renovado.
Já não sustentava mais o desânimo no olhar.
Mesmo com o peso da imensa trouxa de roupas que carregava em cima da cabeça, percebia-se que seguia mais leve do que quando havia chegado.

Gostava de ver minha vó preparar com a ajuda da Dona Aurora, a trouxa de roupas.
Elas iam separando as peças coloridas das brancas, para facilitar o trabalho da lavadeira, e também para contar, quantas dúzias, seriam lavadas naquela semana. 
Minha vó, dotada de um coração do tamanho do mundo, fazia isso, para poder pagar adiantado o trabalho da boa lavadeira. Pois, sabia das necessidades que a pobre mulher enfrentava, cuidando de oito filhos, com o marido ganhando muito pouco, como operário.
Junto com a trouxa em cima de todas as peças de roupa suja, iam as pedrinhas de anil, (quem se lembra dessas lindas pedrinhas azuis?) e uma ou duas pedras de sabão.
Em seguida, a valente lavadeira, ajeitava a imena trouxa, em cima da cabeça. E na mão, ia securando, uma sacola surrada, que vinha vazia, e voltava cheia de alimentos, que minha vó sempre separava para ela. 

Pelo caminho de volta, vim pensando, na coincidência: o restaurante em que derramei o vinho em minha blusa, tem o nome de Aurora, igual ao de nossa antiga lavadeira. 


(Imagem: Lenapena -Restaurante Aurora/ Williamsburg)

 
Lenapena
Enviado por Lenapena em 24/09/2013
Reeditado em 24/09/2013
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