Dura lex sed lex (A lei é dura, mas é lei)
Em qual momento da vida o ser humano é realmente livre, alguém sabe dizer? Depois de ser concebido, já tem dono: pai e mãe, não é mais livre. Um dos dois ou os dois juntos, ou separados, vão começar a colocar as algemas e coleiras.
Caso seja homem, escolhem a cor do enxoval, tradicionalmente azul; caso seja mulher há de ser róseo. Depois vem o nome, o primeiro presente, as brincadeiras, as primeiras palavras e os planos de futuro. Em nenhum momento da vida, até agora, exerceu o papel de liberdade, somente obedeceu a ordens e aceitou as escolhas dos outros: o nome que tem, o modo de vida, o jeito de se vestir, os atos de fala, a forma de se sentar, os lugares frequentados, as pessoas que devem se relacionar, os gestos, enfim, prisioneiros das escolhas dos outros.
Em qual momento da vida o ser humano é realmente livre, alguém sabe dizer?
Quando se passa a viver em sociedade ou na sociedade vêm às sanções estabelecidas: isso pode, isso não pode! Isso é pertinente a, aquilo não é possível porque...! Tem de viver dessa forma, pois sempre foi assim e desta forma se chega a..., entretanto se for por esse caminho, pronto, está às margens, é marginal, é marginalizado ou marginalizada por toda a vida. Resolveu ousar, ser livre, experimentar a liberdade, pronto, desde então só rótulos!
Não se pode ser assim, tem de ser assim, mesmo que a vida seja dinâmica e o ser humano esteja em constantes mudanças: antigamente cabelo grande era de mulher, quer dizer, era de homem, ou melhor... Calça comprida era de homem, hoje é unissex! Tirar sobrancelhas vaidade feminina, tirar bigode, coisa de homem. Depilação era coisa de mulher, agora, é... Depilação faz quem tem coragem de encarar a dor! Dirigir era coisa de homem, vem à lembrança dos primeiro brinquedos, carrinho era brinquedo de homem porque a velocidade do mundo é de domínio macharal, enquanto que para a mulher ficava os afazeres domésticos, o cuidado dos filhos, a máxima dita popularmente ser ela criada para procriar - o ser animalizado, entrar no cio e depois parir.
Hoje tudo se confunde. O modelo criado para o homem e para a mulher, na época das famílias patriarcais, não cabe mais no mundo contemporâneo.
A revolução industrial ditou outras regras de conduta e o ser consumo, vivedor de grandes centros e adeptos a era tecnológica, teve de mudar, acompanhar os tempos, a partilhar interesses comuns: quem quiser pode mudar o visual, independente de sexo. Quem quiser pode escolher as peças de estilo para modular o corpo. Nem toda mulher nasceu para ser mãe, é uma escolha, mas pode dirigir porque a necessidade cria a ocasião. O dever da limpeza, de cuidar da casa, de estar empregado, independente de sexo.
Mas mesmo assim, o ser humano não experimentou a liberdade.
O ser humano é complexo. Não se aceita, nem aceita o outro porque a liberdade incomoda. Se algo te incomoda, se você tem condição, pode mudar. A mulher não quer peito pequeno, põe silicone. Se o corpo não representa aquilo que sou, posso mudá-lo. Se o nome que tenho não me agrada nem me identifica, posso querer outro. Se não se quer sapato baixo, usa-se alto. Se o macho está no cio pode saciar-se no corpo que encontrar, mas ter identidade custa outros contos de rés!
Liberdade e identidade caminham juntas. O ser humano experimenta a liberdade quando encontra a sua identidade, dessa forma vai pensar, sentir e agir por si, contudo é mais fácil camuflar os anseios mais íntimos e atacar os outros.
Esses, outros, são os calos sociais.
Depois de livrar-se dos pais, vêm as amarras das convivências: Quer indicar as setas, impor limites, ditar as regras, fazer decisões, tomar a direção, dizer o que pode e o que não pode, estabelecer conveniências, criar códigos estabelecidos a partir de acordos culturais, usar a religião como elo de julgamento, condenar, desrespeitar, não deixar que o ser humano encontre-se com a liberdade.
Resultado: preconceito. O ser humano cria o preconceito porque não é capaz de vencer a si. O outro para este é um incomodo. Se não tenho o que quero ou se não sou do jeito que quero ser, o outro também não pode ser. Segrega-se os seres em nome de formas abusivas de desrespeitos criados por falta de compreensão, entendimento, partilha ou comunhão. Ideias que não se batem, se açoitam; ideais fadados em nome de combater ou tolher a liberdade do outro.
Resultado: intolerância. O ser humano é intolerante. Desaprendeu com a vida a ouvir o grito ou apelo do outro; a necessidade ou os anseios do outro. Tudo deve estar enquadrado em uma modelagem única, como se os seres fossem únicos, unificados por escolhas particulares. Aufere-se ao outro com solavancos, espancamentos, palavras dolorosas, mutilações...
E a liberdade? Nem através da morte.
Quando se morre se é preso num formato de caixão, deve-se estar enterrado num cemitério ou ser cremado, quando não abandonado por aí. Deve-se existir como atestado de óbito e depois da vida? Só indo lá para tentar descobrir...
(Marcus Vinicius)