A CASA

10 =A CASA

A pequena casa, igual a dezenas de outras construída na nova vila de classe média, lhes parecia um palácio.

Era a sua primeira Casa Própria os dois estavam eufóricos, realizados, cheios de planos para o futuro.

As crianças corriam de cá para lá explorando cada cômodo, cada palmo do quintal, a rua, a vizinhança.

No bairro novo, simpático e promissor, já moravam alguns amigos e parentes.

A família teve, desde logo, um círculo de amizades que foi ampliando-se, envolvendo toda a vizinhança.

Esses bairros novos e distantes costumam conservar os costumes das cidades pequenas onde todos se conhecem e as boas amizades nascem, florescem e frutificam-se.

O tempo foi passando. . .

Pouco a pouco as casas da vizinhança foram sendo reformadas adquirindo um design personalizado. Casas de luxo foram construídas e o "Jardim" teve seus dias de glória.

Era chique morar ali!

As crianças foram crescendo.

A Casa, alegre, barulhenta, sempre cheia de amigos, parentes, vizinhos, colegas, namorados, tinha sempre um ar de festa...

E os anos foram passando, uns após os outros, parecendo cada vez mais apressados para chegar. . . aonde?

A família começou a diminuir. . .

Os filhos foram casando, formando novos núcleos. . . os parentes e amigos mais velhos deixando este Mundo e, parece que, breve demais, o casal se viu só entre as já velhas paredes.

Poucos amigos lhes restaram quando, doentes e cansados, não podiam mais receber como antes.

A Casa, de repente, lhes pareceu grande demais, velha demais, insegura e frágil e resolveram mudar-se para um apartamentozinho novo, confortável e prático.

E a areia correndo sem parar na ampulheta do tempo. . .

A velha Casa fechada, guardando as lembranças de toda uma vida, ficou abandonada, carcomida pelo desgaste do tempo e pelo vandalismo de alguns marginais.

Os filhos, então herdeiros, resolveram reformá-la.

A grande reforma foi feita. Pouca coisa permaneceu da velha estrutura.

A Casa, agora reformada não parecia mais a mesma. Qual velhota vaidosa recém saída das mãos de um cirurgião plástico, ela ergueu-se, imponente e bela, disfarçadas as marcas da idade sob as camadas grossas de revestimento vistoso, destacando-se entre as demais casas da rua e atraindo a atenção de todos que desejavam comprar uma bonita casa para morar.

Os irmãos, entretanto, relutavam ante a idéia de entregá-la para estranhos.

Ali estavam encerradas as mais gratas lembranças de sua infância e juventude, dos pais, agora, distantes, intocáveis, perdidos para sempre no infinito. . .Dos amigos barulhentos que se perderam pelos inúmeros caminhos da vida... dos namorados, hoje maridos, que, bem. . . nunca é a mesma coisa. . .

Todos gostariam de comprá-la, mas ninguém tinha dinheiro suficiente para pagar a parte dos irmãos e, pensando bem, comprá-la pra que?

Todos tinham casa própria melhor do que aquela e a vida estruturada em outro lugar.

Pensaram até em tombá-la e conservá-la para que, nos próximos séculos, os netos, bis, tri e tetranetos pudessem conhecer a Casa onde viveram sua infância os bis, tri, ou tetravôs.

Outra besteira!

Se os jovens de hoje não dão valor para antiguidades, imaginem só os do futuro!

O melhor, isto é, a única coisa sensata a fazer, era pô-la a venda, vibrar para que aparecesse um interessado que pagasse o que valia, repartir o dinheiro e gastá-lo, cortando assim qualquer liame sentimental com o passado representado pela Casa.

E assim foi feito.

Fim do primeiro ato!

* * *

A velha casa reformada lhes parecia um palácio. . . .

Era a sua primeira casa própria e eles estavam eufóricos, cheios de planos para o futuro. . .

As crianças corriam de cá para lá explorando cada cômodo. . .

E a história se repete

Maith
Enviado por Maith em 14/04/2007
Código do texto: T449446