Um ônibus ateu

Ao perceber a aproximação do meu ônibus, corro apressado em direção a ele, porque só Deus sabe quando virá o próximo. Consigo alcançá-lo e dou um sorriso de superioridade para quem não teve a mesma sorte. Retomo o fôlego e entrego o dinheiro para a cobradora. Um real, porque era domingo, dia que a prefeitura fazia um preço especial. Entrego uma moeda e passo pela catraca. Só depois de ter passado é que a cobradora se vira para mim e sentencia: “É R$ 2,20”.

Tentei argumentar que era domingo mas não adiantou: aquele era um dos raros ônibus que não estava integrado ao sistema integrado, razão pela qual o preço da passagem continuava o mesmo aos domingos. De fato, era a primeira vez que eu pegava aquela linha no final de semana. Contrariado, coloco a mão no bolso em busca dos trocados faltantes. E não encontro nada. Nem cédula nem moeda. Saí de casa com o dinheiro contadinho e não tinha um centavo no bolso. Eu podia descer do ônibus ali, mas o caso é que eu já havia passado pela catraca. Tentei explicar minha situação para a cobradora, mas ela bufou: “Se vira! Eu que não vou pagar pra você”.

Dei as costas àquela mulher e contemplei os outros passageiros. Naquele momento eu duvidei seriamente que o Brasil fosse o país mais católico do mundo – ou então eu havia tido o azar de pegar um ônibus ateu. O fato é que ninguém estava disposto a completar a minha passagem – a maioria não me deixava sequer completar o pedido: viravam a cara. E a cobradora lá, duvidando que eu não tivesse o dinheiro. Peço para ela me revistar. Ela resmunga alguma coisa e diz que o mínimo que eu devia fazer era descer e ir a pé. Concordei. Se a minha sentença era ficar sozinho e sem dinheiro no meio do nada, que assim fosse.

Desci no próximo ponto. Enquanto o ônibus se afastava, fiquei parado lá, com cara de quem não tem a menor ideia do que fazer, desesperado. E em seguida caminhei tranquilamente para casa, pois eu havia sido expulso exatamente no ponto em que iria descer.