Envelhecidos pelas sextas
A tarde de domingo está ensolarada, belíssima. Observo as pessoas enquanto dou um “rolê” de moto. Elas caminham descontraídas e alegres pela orla marítima. Trajam roupas leves e confortáveis, o vento abana seus cabelos, há uma comunhão entre o céu índigo e a satisfação que transborda dos seus semblantes.
No transcorrer do período, quando a lâmpada que aquece e ilumina a via láctea – microscópico cômodo do latifúndio universal – perde potência, quando diminui sua voltagem e se prepara para mergulhar nos braços carbonados da silenciosa e refrescante noite, percebo que é nesse momento que boa parte de nós somos acometidos por uma pequena e sutil angustia, sentimento que se instala sorrateiramente e passa a transitar por nossa carne como energia elétrica de baixa voltagem. Assombra nossa mente e resvala para nosso emocional. Nada grave! coisa branda e até imperceptível, mas esta pequenina tensão está lá, alojada, causando incômodos também sutis.
Somos empurrados para a segunda-feira, como gato o é para o tanque d’água. O prenúncio dela nos alerta para o embate que se aproxima. Involuntariamente cerramos os punhos, levantamos a guarda e nos preparamos mental e emocionalmente para os quatro assaltos vindouros.
Adentramos a segunda almejando a sexta. Há um hipnotismo parcial que nos conduz por esses dias, semelhantemente ao cão que segue afoito em busca da bolinha atirada por seu dono. A bolinha é a sexta, o trajeto até ela é os dias úteis, o cão... Bom! Escolha sua raça que determino a minha.
Ao menor aborrecimento os sábios “sexta feirenses” nos aplicam as conhecidas palavras antisstress: “liga não, logo-logo será sexta feira”. Quando atingimos a quinta, limítrofe com o Éden, passamos a sentir o cheiro, o prazer e a alegria do dia seguinte, onde o trabalho acontece mesclado por tranquilidade e ânsia.
Cronologicamente vivemos 30 dias por mês, mas na íntegra vivenciamos apenas 10. Por semana desprezamos quatro dias em prol de dois e meio. Vivemos em prol da sexta. Os prazeres e alegrias dos outros dias da semana passam de forma mecânica, quase que despercebidamente.
De sexta em sexta envelhecemos prematuramente, desperdiçamos valiosos dias e só depois de estarmos com os cabelos tingidos pela brancura da experiência é que alguns de nós conseguem viver plenamente o intervalo entre domingo e sexta. Passamos a usufruir com mais intensidade e fervor as doçuras que esses dias também transmitem. O afã de abocanhar a bolinha não nos deixa enxergar os momentos prazerosos desses dias, até porque, quanto mais distante da sexta, mais desvalorizado e opaco é o dia. Quanto mais próximo, mais agradável e colorido ele se torna.
A sexta é um dínamo que faz com que os dias úteis que a antecedem transcorram com celeridade. Ela é o torrão pendurado na ponta de uma vara colocada diante do equino que traciona a carroça.
O fato é que desperdiçamos dias fantásticos de nossas vidas e nos espantamos quando as datas comemorativas se apresentam, quando algum conhecido completa tempo ausente da vida, quando olhamos para um homem ou mulher conhecidos e assustamos, pois ainda ontem eram apenas guris. O mais estranho é quando nos deparamos com a erosão facial que o espelho nos apresenta, nesse momento temos dificuldade para aceitar esse desgaste. Ocorre que o reflexo mostra à realidade cronológica. O espanto e a perplexidade advêm da pouca integralidade, da precária vivência usufruída nesse período.
Se tivesse o poder de congelar as tardes de domingo eu as faria quando os ponteiros do relógio acusassem 16 horas. Caçoaria da velhice precoce, louvaria a sexta feira e pediria que ela chegasse sem tardar, mas utopia não vale quanto o assunto é o tempo.
Façamos as pazes com a cronologia para não nos assustarmos quando ouvirmos os rojões anunciarem o novo calendário que se aproxima.
Vivamos intensamente um dia de cada vez e deixemos que o porvir se apresente em seu devido tempo.