A PRIMA VERA

... E como hoje é Primavera!!!

A PRIMA VERA

(Crônica de Carlos Freitas)

Ansiosos, esperávamos por ela. Pressenti que chegara, quando, deleitosamente inspirei a mescla de suaves perfumes de rosas, cravos e jasmins, que, desautorizadamente haviam entrado pela escancarada janela da sala. Ao longe, ouvia-se uma sonora cantoria de melros, cotovias, pardais e sabiás.

Eu ainda não a conhecia, mas guardara na memória a silhueta que idealizara. Os parentes, diziam que de todas as outras, a prima Vera era a mais atraente, simpática, eloquente, atenciosa e aprazível. Quando soou a campainha saí qual bólido em direção à porta. Ao abri-la, gentilmente reverenciei sua beleza balbuciando um: seja bem vinda. A prima Vera era a evocação da alegria, que, como a estação homônima ao seu nome (lido de uma só vez), trazia vigor, viço e beleza à fauna e a flora, como também aos meus olhos.

Passado o fascinante torpor que me envolvera, voltei à consciência e a realidade, fazendo uma mesura para que entrasse. Abracei-a sedutoramente, nem tanto pela saudade, mas pelo prazer de senti-la mais perto, mais aconchegante. Ambicionava sentir as vibrações daquele corpo exuberante, aspirar mais de perto aquele perfume, que invadia, inebriava e embriagava meus sentidos, deixando-os desnorteados... Em conflitos.

Era uma ruiva fascinante. Elegantérrima! Cabelos longos, olhos negros tais jabuticabas ou Maria pretinha! Elegante no andar, delicada no falar, cativou a todos. Tornou-se o centro das atenções e perguntas. Graciosamente, respondia uma por uma sem pressa, acrescentando pormenores, mesmo para as mais sem importância – mesmo fúteis! Fiquei ao longe num canto da sala, deleitando-me com impar e envolvente beleza, a qual me induzia a viajar nas asas de doces e inocentes pensamentos.

Honestamente, não me atormentava complexos ou sentimentos de culpa por ver-me envolvido por esses delírios e fantasias com minha prima, mesmo porque não era prima legítima. Era filha adotiva de minha tia, irmã de mamãe. Não tínhamos vinculo de sangue. Qualquer arroubo de paixão, ou, atração que descobrissem entre nós, não mancharia a honra da família, nem tampouco os bons costumes da tradicional família católica! Isso me eximia de possíveis conflitos de consciência. Certamente, que se soubessem, seria alvo de críticas e condenações. Mas, quem poderá cegar aqueles sentimentos que brotam à primeira vista, lá no recôndito da alma, os quais somos incapazes de evitar?

Todavia, se sabia que biologicamente não era prima legitima, pouco depois descobri que tinha um destino ilegítimo, padrasto. A prima Vera, viera nos visitar apenas pela consideração que nos tinha. Estava a cumprir um ritual de cunho estritamente social – entregar o convite do seu casamento! Quando peguei aquele papel cheio de palavras, de escrita rebuscada, parecia em chamas a queimar minhas mãos. Parecia também um punhal: à medida que o lia, inclemente, sangrava mais fundo meu desgraçado coração, que até há pouco, jazia imerso em delírios de felicidade.

Os perfumes, percebi, dispersaram-se pela casa. Na sala restara um ar lúgubre. Os pássaros não mais gorjeavam. Pela janela reparei que as arvores vertiam copioso pranto: suas indefesas folhas, vítimas de um vento mais intenso e forte, desgarravam-se impotentes estatelando-se no solo! Temporão, o outono chegara com robustez...

... Recobrando-me do devaneio, mesmo uma alucinação em que viajara, senti nas narinas, que o perfume das rosas, cravos e jasmins estavam no auge. O arrulhar dos pássaros, sentia – ainda se fazia impetuoso. Olhando pela janela notei que as arvores e folhagens, revestiam-se com novas folhas e flores. O céu parecia extasiado, escancarando um sorriso hipnótico de felicidade e prazer, ao exibir garbosamente, nuvens imaculadamente brancas - quais mechas de algodão.

Não existia e jamais existiu prima alguma! O vulto que adentrara pela porta, não era mais que uma rosa vermelha atirada por minha irmã em meio ao jardim, anunciando que a Primavera, a mais bela das estações chegara, e com ela a alegria da vida na sua mais pura essência. Com a rosa em minhas mãos, vertiginosamente minha obsessiva imaginação materializara à minha frente, a mulher que eu idealizara: A prima Vera!

Carlos Freitas
Enviado por Carlos Freitas em 22/09/2013
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