MARTE 2023
Agora é pra valer. A viagem a Marte, multiexplorada em livros e filmes, deixa o campo da ficção e pousa na realidade. A expedição acontecerá em 2023, sob a responsabilidade da companhia holandesa Mars One e a bordo de um foguete que vai levar os primeiros colonizadores do planeta vermelho, numa odisseia de sete meses. Segundo a imprensa, até agora duzentas mil pessoas querem participar da aventura, cinco por cento das quais brasileiros, desencantados com os rumos do nosso planeta, “que está se deteriorando por motivos mesquinhos”. Ou, como escreveu Drummond, “lugar de muita miséria e pouca diversão”.
Confesso que, nos meus sonhos e já sem muita esperança de cura para o egoísmo do ser humano na face da Terra, eu também fico tentado a tomar assento nessa arca de Noé espacial, para testemunhar o alvorecer de uma nova civilização, em que o homem não seja o lobo de outro homem. Em que o amor seja conjugado em todos os corações.
E meu sonho vai além. Imagino viajar na companhia da minha amada, declamando Manuel Bandeira : “Vou-me embora pra Pasárgada, lá sou amigo do rei, lá tenho a mulher que eu quero na cama que escolherei”. Levaria na bagagem meia dúzia de escritos, entre os quais o Sermão da Montanha. Afinal, montanhas é o que não falta em Marte. Música também: Danúbio Azul, para homenagear Stanley Kubrick, o profeta dessa viagem no cinema. Acrescentaria algumas sementes ou mudas de girassol, tulipa e outras flores mais resistentes ao clima que nos espera. Quem sabe dá para cultivar um jardinzinho na aridez e na amplidão do deserto marciano?
Mas, como eu disse, tudo isso é apenas um sonho, distante dez anos da prometida migração interplanetária. Quando acordo e leio os jornais, percebo que muita coisa pode acontecer até lá. Por exemplo, o julgamento de uns tais embargos infringentes no Supremo Tribunal. Se ele for concluído nesse período, e se se mantiver a condenação, quem pode me garantir que os mensaleiros não serão banidos para Marte, com a pena de degredo (ou embarcarão clandestinamente), repetindo o processo de colonização do Brasil, que recebeu boa parte dos condenados da Coroa portuguesa e da Inquisição? A trilha sonora, nesse caso, teria de mudar para Delúbio Azul e Assim Falava Zaralula. E isso – convenhamos - não seria um início muito promissor para os novos tempos. Esse déjà vu, para relembrar Drummond, seria “repetir a fossa, repetir o inquieto repetitório”.
Então, melhor suspender o projeto por enquanto. Ainda tenho dez anos para pensar no assunto.