Aqueles que chegam primeiro

Chama o direito internacional de “utti possidetis” o princípio pelo qual aqueles que chegam primeiro em um lugar são os seus legítimos donos. Vindo ainda do tempo dos romanos, o princípio é nosso bastante conhecido, sendo aplicado cotidianamente para resolver pequenos conflitos territoriais. É justamente por levá-lo em conta que se convencionou organizar, ao menor sinal de espera, aquilo que chamamos de fila – princípio pelo qual o primeiro a se posicionar detém todos os direitos possíveis, o segundo um pouco menos, o terceiro menos ainda, e assim por diante, até chegar ao último, que deve se dar por satisfeito se ainda o deixarem esperando.

O sucesso de um evento pode ser medido pela antecipação com que se inicia a formação de uma fila defronte ao local. A simples palestra de uma figura conhecida costuma receber seus primeiros expectadores duas horas antes do início – independente do horário marcado. São pessoas que sacrificam a alimentação e eventualmente o sono para arrumar um bom lugar na fila, o que lhes dará o direito fundamental de ficar o mais próximo possível da celebridade. Em casos excepcionais como as apresentações da Beyoncé, a fila tem início um mês antes e revela sacrifícios ainda maiores, como o abandono do emprego, da faculdade, do namorado, da própria vida.

Há filas mais tristes, como a dos postos de saúde. Chega-se por volta das cinco horas da manhã e descobre-se que foi tarde demais: os dez primeiros, únicos que serão atendidos naquele dia, já estão postados em fila. No dia seguinte, chega-se às quatro horas. E se fosse o caso chegaria-se às três. O posto só irá abrir às sete e o médico só chegará às nove. Neste caso, a antecipação é uma necessidade. Há outros em que ela é apenas o sinal de que já não se tem motivo para viver – ou que se concorda em deixar que vivam por nós. É a fila do novo iPhone, por exemplo. Não nos consta até agora que os deuses tenham se importado com tais sacrifícios.

milkau
Enviado por milkau em 22/09/2013
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