Das laranjas e dos crepúsculos
Há toda uma literatura para o sabiá, inaugurada provavelmente por Gonçalves Dias – nas palmeiras de sua terra é que ele cantava. A poesia lhe dispensava, no Brasil, as honras que os europeus dispensavam ao rouxinol. Monteiro Lobato não gostava muito dessa história: embora reconhecesse os méritos de sua voz melodiosa, achava que eles não justificavam tamanha afeição dos poetas, “como se a gama passarinheira tivesse uma nota só”. Alarmava-se com a ausência, nas festas da rima, do tangará, que dizia ser único pássaro do mundo que evoluiu do canto à dança.
Eram tempos interessantes, em que se criticava o sabiá em favor de outro pássaro. Nem por isso deixavam de existir aqueles mais insensíveis, como os donos de pomares, tratados por Lobato como “gente rude, para quem pior que o sabiá só o sanhaço”. Estes eram para ele os únicos que não reconheciam o sabiá como o filho das laranjas e dos crepúsculos, o poeta alado das saudades, e nem mergulhavam num banho suave de tristezas quando o ouviam em tardes lânguidas.
Hoje isso não é mais exclusividade dos donos de pomares. Pode-se perfeitamente morar em São Paulo, na área menos arborizada de São Paulo, e ainda assim cultivar pelo pássaro – a princípio apenas um pássaro, sem nada em seu canto que o diferencie dos demais – a mesma inimizade. Tem o sabiá paulista a característica de promover sinfonias durante a madrugada. Seus 75 decibéis destoam do som uniforme do trânsito (80 decibéis), o que tem gerado incômodo. Nada há de mais agressivo aos ouvidos urbanos do que o som de uma flauta doce. Há quem diga que são apenas três acordes martelados à exaustão – um pássaro punk rock. Tratando-se de cantos e sons feitos pela boca, a preferência é pelo toque de celular de uma empresa, idêntico a um assobio.
Estes não são bons tempos para os sabiás. Não se explica de outra maneira que, mesmo no seu centenário, Rubem Braga ainda permaneça distante dos donos de pomares da literatura.